Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.


São como um cristal
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória,
inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

 


Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?
E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?
Que lhes dirás, quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?

 


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas

pelo silêncio fascinadas.

 


Recomecemos então, as mãos
palma com palma.
Diz, não digas, a palavra.
As palavras terão sentido ainda?
Haverá outro verão, outro mar
para as palavras?
Vão de vaga em vaga,
de vaga em vaga vão apagadas.
Seremos nós, tu e eu, as palavras?
Onde nos levam, neste crepúsculo,
assim palma com palma,
de mãos dadas?


Obedecem-me agora muito menos,
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão arisca...


Heraclito de Epheso diz:

«O pior de todos os males seria
A morte da palavra»

Diz o provérbio do Malinké:

«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimento
Mas não pode
Enganar-se na sua parte de palavra»

 

Um poema que retrata a importancia das palavras quando expomos os nossos sentimentos. 


Respiro a terra nas palavras,
no dorso das palavras
respiro
a pedra fresca de cal;
-
respiro um veio de água
que se perde
entre as espáduas
ou as nádegas;
respiro um sol recente
e raso
nas palavras
com lentidão de animal.

Um excerto que revela a importância da língua na arte de fazer poesia. 


Eu dou-te a palavra, e tu jogarás nela
e nela apostarás com determinação.
Seja a palavra “biltre”.
Talvez penses num cesto,
Açafate de ráfia, prenhe de flores e frutos.
Talvez numa almofada num regaço
onde as mãos ágeis manobrando as linhas
as complicadas rendas vão tecendo.
Talvez num insecto de élitros metálicos
emergindo da terra empapada de chuva.
Talvez num jogo lúdico, numa esfera de vidro,
pequena, contra outra arremessada.
Talvez...
Mas não.<...