Um excerto que revela a importância da língua na arte de fazer poesia.
Um excerto que revela a importância da língua na arte de fazer poesia.
Eu dou-te a palavra, e tu jogarás nela
e nela apostarás com determinação.
Seja a palavra “biltre”.
Talvez penses num cesto,
Açafate de ráfia, prenhe de flores e frutos.
Talvez numa almofada num regaço
onde as mãos ágeis manobrando as linhas
as complicadas rendas vão tecendo.
Talvez num insecto de élitros metálicos
emergindo da terra empapada de chuva.
Talvez num jogo lúdico, numa esfera de vidro,
pequena, contra outra arremessada.
Talvez...
Mas não.<...
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vo...
Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
qua...
Por baixo da superfície
lisa de cada palavra
por dentro da fenda sísmica
da gramática onde fulgura
o magma (sintaxe mágica)
de Babilónia a Sião.
Entre o étimo e o sintagma
no avesso desse centro
onde há uma estrela caída
para dentro do oculto
relação irrevelada
entre o corpo e a palavra.
Onde o invisível tremor
da terra percorre o sangue
e então de súbito a flauta
onde só Camões é quem
sobre esses rios que vão
entre ninguém e ninguém.
Um poema onde Sophia reflete sobre o que a atrai no português do Brasil.
Alguns anos atrás, em Campolide, Lisboa, onde moro, deparei-me com um homem de certa idade, a coxear e a tentar driblar a chuva e a ventania. Como no poema de Fernando Pessoa, eu iria adiante, ele passaria também no sentido contrário, e nunca haveria um registo do transeunte anónimo que enfrentava a sua circunstância, ou seja, um quase fim de vida a arrastar-se dolorosamente pela rua. Mas não foi assim, porque assim não quiseram os fados da história. Ele, ao passar, disse-me num tom que adivi...
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém — mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Língua:
língua de fala;
língua recebida lábio
a lábio; beijo
ou sílaba;
clara, leve, limpa;
língua
da água, da terra, de cal;
materna casa da alegria
e da mágoa;
dança do sol e do sal;
língua em que escrevo;
ou antes: falo.
Meu amigo Albino Lapa:
Que pena eu tenho de não ser um escritor no género de Francis Carco só para me arvorar competente padroeiro do trabalho que me anuncia! Em verdade sou um escritor circunspecto e pompier. Há quem jure que me tem visto de noite, vestido, como um alquimista, de balandrau preto, óculos pretos, e uma lupa de bom aumento, sobre os palimpsestos da língua, à procura de termos arrevesados, visigóticos, turdetanos, com que rechear os meus romances de tamancos e...
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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