Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.
Ninguém escreveu em português
No brasileiro de sua língua:
Esse à vontade que é o da rede,
Dos alpendres, da alma mestiça,
Medindo sua prosa de sesta,
Ou prosa de quem se espreguiça.


1 Este poema é dedicado ao escritor brasileiro Gilberto Freyre, autor do livro Casa-Grande & Senzala, publicado em 1933.


Ó língua de Camões, de estrofes sonorosas,
que Netuno aprendeu para encantar sereias,
idioma que ensinou às virgens amorosas
a ternura que vibra em trovas e epopeias!

Língua de Bernardim, de lendas lacrimosas,
se cantas o furor das guerras, estrondeias,
mas, se falas de amor em xácaras saudosas,
qual meigo rouxinol, suavíssimo, gorjeias!

Língua que fez chorar a França soberana,
com frases de paixão de Freira Lu...
Havia luz pela amplidão suspensa
no azul do céu, vergéis e coqueirais...
e o Lácio, com fulgores divinais,
abrigava de uma virgem a presença...
Era um castelo de ouro, amor e crença,
que igual não houve, nem haverá jamais...
Onde os poetas encontraram ideais
na poesia nova, n'alegria imensa...
A virgem era a Língua Portuguesa,
a mais formosa e divinal princesa,
vivendo nos vergéis de suave aroma!
Donzela mei...
No descomeço era o verbo

 

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.

 

O verbo <i>for</i>

Escrita ainda em vida do autor, esta saborosíssima crónica sobre uma prova oral... «bestíssima» foi publicada no jornal "O Globo" (e em outros jornais) a 13 de setembro de 1998, integrando o livro "Conselheiro Come».

Quando n'alma pesar de tua raça
a névoa da apagada e vil tristeza,
busque ela sempre a glória que não passa,
em teu poema de heroísmo e de beleza.

Génio purificado na desgraça,
tu resumiste em ti toda a grandeza:
poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
o amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
da estirpe que em perigos sublimados
plantou a cruz em cada continente,

não mor...

- Pai…
- Hmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- O quê?
- O feminino de sexo.
- Não tem.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem sexo masculino?
- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.
- E como é o feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra "sexo" é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
- Não devi...


A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

 


Vinda das noites de miscigenação da Ibéria,
das paixões do latim distante,
dos gritos bárbaros nas manhãs do Tejo,
das vozes de Camões, Quental, Pessoa,
— Ó pátria sonora dos homens, língua portuguesa!

 


Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixa os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!