Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Depois de ter pesquisado sobre a origem dos termos náuticos bombordo e estibordo, entendo que são, com grande certeza, de origem germânica, mais propriamente do neerlandês, e que viajaram até ao português através do francês, provavelmente no séc. XV/XVI. Mas se a expansão portuguesa teve início ainda no séc. XIV, o que pedia que me ajudassem a descobrir é quais seriam os termos equivalentes que os portugueses usavam nessa época precisamente para bombordo e estibordo.

Resposta:

Nas fontes a que temos acesso não temos informação sobre os termos que se usavam antes do século XV para exprimir as noções denotadas por bombordo e estibordo. Aliás, é curioso constatar que noutras línguas ibéricas, como o espanhol (castelhano) e catalão, também os termos correspondentes têm a mesma origem nórdica e parecem estar só documentados a parti do século XV.

Sabendo que as navegações portuguesas também se entendem num contexto ibérico, seria de esperar que as fontes relativas ao espanhol e ao catalão pudessem facultar alguma informação sobre as palavras que precederam os termos espanhóis babor/estribor e os catalães babord/estribord. Na verdade não é isso, que acontece, e até é possível verificar, por exemplo, que no Diccionari Etimològic i Complementari de la Llengua Catalana, de Joan Coromines, revela-se que o registo de bombordo em português têm atestação mais antiga, embora estibordo figure mais tarde na documentação. Não será, portanto, impossível que bombordo e talvez estibordo tenham uso precoce em português, o que se compreende atendendo aos contactos comerciais frequentes com regiões costeiras mais a norte, designadamente a Flandres.

Dito isto, convém acrescentar que não em português mas em galego regista-se as expressões «banda de couso» (ou couse) como o mesmo que bombordo e «banda de arca», como sinónimo de estibordo. Note-se, porém, que se trata de usos regionais galegos, e não temos informação de que «banda de cousa/arca» fossem os termos usados no período galego-português da língua.

Não conseguimos, portanto, dar informação mais concreta so...

Pergunta:

Devemos escrever «escrito a quatro mãos» ou «escrito a duas mãos»?

Resposta:

Recomendamos «escrito a quatro mãos», embora a expressão, fora do domínio musical, possa ser equívoca.

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, regista em subentrada «a quatro mãos», expressão apenas referente ao campo da música. Contudo, a Infopédia não indica o domínio concreto em que a expressão se usa e define «a quatro mãos» como «feito a par; por duas pessoas», dando assim margem para considerar «escrito a quatro mãos» a expressão correta.

No contexto da lexicografia brasileira, o Dicionário Houaiss também permite legitimar «escrito a quatro mãos», porque a define de forma não exclusivamente musical:

«a quatro mãos: 1 feito por duas pessoas. Ex.: um artigo, um livro a quatro mãos. 2 para ser tocado por duas pessoas no mesmo piano. Ex.: um arranjo a quatro mãos».

Finalmente, em Português – Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Edições João Sá da Costa, 1988), de António Nogueira Santos, regista-se «a quatro mãos», com a seguinte definição: «diz-se do que é feito por duas pessoas».

Pergunta:

No Brasil, há a expressão «no ponto».

Será que pode ser usada em termos mais gerais ou será que é preciso dizer «no ponto certo» na frase a seguir: «...crocante por fora, macia por dentro e no ponto certo»?

Obrigado.

Resposta:

Basta dizer «no ponto», embora também possa dizer e escrever «no ponto certo».

Note-se que a expressão «(estar) no ponto» também se usa em Portugal e noutros países de língua portuguesa e entende-se como «(estar) na forma ideal» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Sendo assim, não se incorre em nenhum erro se se optar pela seguinte formulação: «a massa está crocante por fora, macia por dentro e no ponto».

Pergunta:

Ouvi recentemente a expressão «primo carnal» como sinónima de «primo direito». Está correcta?

Não consegui encontrar a expressão dicionarizada (Porto Editora e Priberam) e, quanto à palavra carnal, esta só no sentido de consanguinidade poderia estar relacionada com o assunto de primos (não me parecendo que seja compatível com «primo direito»). Poderá ser regionalismo?

Obrigado.

Resposta:

A expressão «primo carnal» é praticamente sinónima de «primo direito».

No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, associa-se à entrada do adjetivo carnal a expressão «primo carnal», com a seguinte definição: «que é do mesmo sangue; que tem parentesco chegado; sinónimos consanguíneo: "Não houve remédio senão mandar vir as licenças de Roma, porque eram primos carnais. Oito dias tinham durado as festas do casamento, como as das histórias de era uma vez..." (L. Dacosta, Vovó Ana, p. 201)»

Por outras palavras, carnal é sinónimo de consanguíneo e, portanto, a rigor «primo direito» é um caso mais específico de «primo carnal» (tecnicamente, diz-se que é um hipónimo). No entanto, na prática, entende-se que «primo carnal» é um primo com parentesco muito próximo como é o caso dos primos direitos, o que explica que na citação acima se fale de dispensa do Papa para o casamento de pessoas que são primos carnais, ou seja, primos-irmãos, que é como quem diz, «primos direitos».

Pergunta:

Sempre ouvi dizer quebranto, enquanto «mau olhado», «mal de inveja».

Mas já vi escrito "cobranto". Esta forma também existe?

Obrigada.

Resposta:

Quebranto é a forma correta.

Cobranto é uma deturpação, de uso popular, que pode ter entrada dicionarística, como acontece no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo (1846-1925), onde se regista o seguinte: «Cobranto m. Pop. Encantamento, quebranto.[...] (Alteração de quebranto).»

Acrescente-se que quebranto (e, claro, a variante cobranto) é sobretudo entendido numa das aceções que lhe atribui o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, juntando exemplos:

«3. estado mórbido, caracterizado por fraqueza, doença, desfalecimento, que, segundo crenças supersticiosas, é resultante do olhar de certas pessoas. Sinónimos: mau-olhado. Estava convencida de que lhe tinham deitado um quebranto. Foi à bruxa para se ver livre do maldito quebranto. Dar quebranto a alguém ou a algum animal; deitar-lhe quebranto "Velhos comentaram casos antigos, quebrantos, eventuais maus olhados." (M. de Carvalho, Guerra, p. 73) «Mas a bruxa encolheu-se mais no seu xalinho: – Sem a cachopa, posso é tentar quebranto em roupa que lhe ande mais chegada ao corpo.» (A. Ribeiro, Patrão, p. 133).»1

 

1 N. E. (10/05/2025) – As abonações provêm, respetivamente, de Mário de Carvalho, A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho, 1.ª ed., Lisboa, Edições Rolim, 1983 e Aleixo Ribeiro, Patrão Bento, 1.ª ed., Estúdios Cor, Lisboa, 1962.