Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de saber se a frase seguinte é correta:

«Enquanto estivesse a chover, a Ana não saía de casa.»

Isto é, o uso de enquanto em orações com o pretérito imperfeito do conjuntivo está correto?

Obrigado.

Resposta:

Sim, é possível empregar o imperfeito do conjuntivo numa frase introduzida por enquanto, por exemplo, quando se fala de uma situação habitual no passado.

(1) «Enquanto houvesse alguém que trabalhasse em casa[,] não descansava ele» (Júlio Dinis, Os Fidalgos da Casa Mourisca, 1871, in Corpus do Português, sub-corpus hitórico ).

(2) «[...] enquanto estivesse em Lisboa[,] o romance era agradável, muito excitante» (Eça de Queirós, O Primo Basílio, 1878, ibidem).

(3) «[...] e enquanto durasse a fortuna[,] vivia feliz e não voltava a trabalhar» (Ferreira de Castro, A Selva, 1930, ibidem).

Pergunta:

Qual das duas designações está correta, "alfamenses" ou "alfamistas", ou ambas ?

Obrigado.

Resposta:

Usam-se ambas as palavras, mas alfamense tem um valor neutro, enquanto alfamista parece ter conotação popular e castiça.

Alfamense ocorre com o simples significado de «habitante ou residente de Alfama».

Alfamista, além de sinónimo de alfamense, ocorre também noutras aceções, ligadas à vida boémia, as quais podem ser entendidas depreciativamente. É isto o que se conclui da consulta de vários dicionários, entre eles o de Cândido de Figueiredo: «Alfamista m. Habitante de Alfama, em Lisboa. Tunante; fadista.»  No Dicionário de Expressões Populares Portugueses, de Guilherme Augusto Simões, registam-se as mesmas aceções acrescidas de outras: «malandrim» e «fraseologia que estropia grande número de palavras».

Alfamista também figura na expressão «caravela alfamista», termo abonado pelo seguinte exemplo:

(1) «Referida na documentação portuguesa do século XIII, a caravela de pesca ou, de acordo com Quirino da Fonseca, pescareza [sic] ou alfamista, possuiria características muito distintas das utilizadas para a expansão marítima do século XVI» (Andreia Conceição e João Ventura, "A Caravela de Sesimbra: algumas
notas históricas sobre o seu estudo" in Akra Barbarion Sesimbra, cultura e património, Câmara Municipal de Ses...

Pergunta:

Gostaria de saber se, no título de uma obra, o que (pronome) é colocado em maiúscula.

Diz-se que as palavras inflexivas, ou sejam invariáveis, têm minúscula inicial, e que, quando é pronome relativo, é também invariável. O pronome que escreve-se, portanto, com  minúscula?

De que fonte (ou fontes) provém a regra ou convenção, para minha consulta posterior?

Muito obrigado pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

O uso de maiúsculas iniciais nos títulos é, depois da primeira palavra ou se não forem incluídos nomes próprios, facultativo no quadro do Acordo Ortográfico de 1990

Quando se opta pela escrita das iniciais maiúsculas, presume-se que se aplica o previsto pela norma anterior, ou seja, o preceito definido pelo Acordo Ortográfico de 1945, o qual se encontra exposto na Base XLIV:

«Escrevem-se com maiúsculas iniciais, nas citações, os títulos e subtítulos de livros, de publicações periódicas e de produções artísticas: O Primo Basílio - Episódio Doméstico, Os Sertões, Serões Gramaticais; A Noite (nome de jornal), Diário Oficial, Revista Lusitana; O Desterrado (estátua de Soares dos Reis), O Guarani (ópera de Carlos Gomes), Transfiguração (quadro de Rafael). No entanto, escrevem-se com minúsculas iniciais (ou minúscula exclusiva, se unilíteros), sem prejuízo de haver sempre maiúscula na primeira palavra, os seguintes componentes de títulos e subtítulos deste género: 1.°) formas do artigo definido ou do pronome demonstrativo afim; 2.°) palavras inflexivas (preposições, advérbios, etc.), simples ou combinadas com as mesmas formas; 3.°) locuções relativas a qualquer categoria de palavras inflexivas e combinadas ou não de modo idêntico. Exemplos dos três casos: Contra o Militarismo, Sóror Mariana, a Freira Portuguesa; A Morgadinha dos Canaviais - Crónica da Aldeia, Mil e Seiscentas Léguas pelo Atlântico, Oração aos Moços, Reflexões sobre a Língua Portuguesa, Voltareis, ó Cristo?; Algumas Palavras a respeito de Púcaros em Portugal, A propósito de Pasteur, Viagem à roda da Parvónia

A palavra que é invariável, mas, quando ocorre como pronome relativo, não parece entrar na categoria das «palav...

Pergunta:

Tenho duas questões sobre a utilização do apóstrofo em palavras compostas.

Segundo a alínea d) do ponto 1 da Base XVIII do AO90, «Emprega-se o apóstrofo para assinalar, no interior de certos compostos, a elisão do e da preposição de, em combinação com substantivos: borda-d'água, cobra­-d'água, copo-d'água, estrela-d'alva, galinha-d'água, mãe-d'água, pau-d'água, pau-d'alho, pau-d'arco, pau-d'óleo

Ora, as minhas questões são as seguintes. Primeira, o uso nestas palavras é obrigatório, ou facultativo? Isto é, ambas as formas "mãe-d'água" e "mãe-de-água" são válidas? Segunda, só se usa nas palavras que os dicionários preveem como tal, ou em qualquer composto nas mesmas condições? Por exemplo, apenas encontro, nos dicionários que consultei, a forma botão-de-ouro para designar a espécie botânica. Poderei escrever também "botão-d'ouro"?

Desde já, muito obrigado pela vossa atenção.

Resposta:

Tudo depende do registo nos acordos ortográficos e da tradição do registo dicionarístico. 

Assim, as palavras em questão têm sempre apóstrofo nos dicionários consultados e são assim grafadas, pelo menos, desde os anos 40 do século passado, e, portanto, não se deve escrever "mãe de água". Estas formas apostrofadas são as corretas e, portanto, obrigatórias. 

Note-se que, ao abrigo do Acordo de 90, a forma "mãe-de-água", sem apóstrofo, está incorreta, pois não se hifenizam os compostos que incluam elementos de ligação, a não que se trate de nomes botânicos e zoológicos (morugem-de-água, rato-de-água). 

Quanto a botão-de-ouro não se escreve com apóstrofo, porque a ortografia da palavra não se fixou assim.  

Convém também explicar que o que determina a alínea d) do n.º 1 da Base XVIII do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) não se afasta muito do que estipulava a Base XXXVII do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) logo no seu começo:  

AO 90 – «d) Emprega-se o apóstrofo para assinalar, no interior de certos compostos, a elisão do e da preposição de, em combinação com substantivos: borda-d'água, cobra­-d'água, copo-d'água, estrela-d'alva, galinha-d'água, mãe-d'água, pau-d'água, pau-d'alho, pau-d'arco, pau-d'óleo. »

AO 45 – «Sempre que, no interior de uma palavra composta, se dá invariavelmente, tanto em Portugal como no Brasil, a elisão do e da preposição de, emprega-se o apóstrofo: cobra-d'água, copo-d'água (planta, etc. ), galinha-d'água, mãe-d'água, pau-d'água, pau-d'alho, pau-d'arco. Dando-se, porém, o caso de essa elisão ser estranha à pronúncia brasileira e só se v...

Pergunta:

Qual o termo definido para designar um natural de Barbados?

Na mesma senda, colocaria idêntica questão relativamente a outros Estados caribenhos, designadamente, St. Kitts and Nevis (São Cristóvão e Nevis), St. Vincent and the Grenadines (São Vicente e as Grenadinas), St. Lucia (Santa Lúcia), Anguila, Montserrat, Aruba e as Ilhas Virgens Britânicas e Americanas.

Antecipadamente grato.

Resposta:

Não havendo regra, o que atualmente se disponibiliza para a identificação dos gentílicos, pelo menos, no contexto do português de Portugal, é o que se encontra registado no Código de Redação Interinstitucional (União Europeia), Anexo A5. Com base nesta fonte, verifica-se que há países e territórios que têm gentílico derivado em-ense, -ano ou outros sufixos:  

Barbados – barbadense

St. Lucia (em português, Santa Lúcia) – santa-luciense (ou, no Dicionário Houaiss, santa-lucense

Anguila – anguilano 

Monserrat (em português Monserrate) – monserratense

Aruba – arubano  

Contudo, existem outros territórios cujo gentílico pode também ser uma expressão do tipo «o(s) [habitantes, naturais, cidadãos] de...», sobretudo se o gentílico é igual ao de outro país ou território:  

St. Kitts and Nevis (São Cristóvão e Neves) – «de São Cristóvão e Neves» ou são-cristovense

St. Vincent and the Grenadines (São Vicente e Granadinas) – «de São Vicente e Granadinas» ou são-cristovense

Ilhas Virgens Americanas – «das Ilhas Virgens Americanas» ou virginense

Ilhas Virgens Britânicas – «das Ilhas Virgens Britânicas» ou virginense  

Sobre este assunto, deve também consultar-se também o Dicionário de Gentílicos e Topónimos (Port...