Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Podiam esclarecer-me esta dúvida, por favor?

Reparei que a palavra néon está grafada nos nossos dicionários. Contudo, por ser de origem estrangeira, temos de a escrever em itálico ou entre aspas

Obrigada!

Resposta:

O vocábulo néon não é considerado estrangeirismo e, portanto, escreve-se em redondo, ou seja, escreve-se normalmente, sem itálico nem aspas.

O facto de terminar em -n não foge às regras da fonologia e da ortografia do português, porque há outros casos de palavras terminadas em -n, geralmente do domínio científico: íman, glúten, dólmen, cólon. É verdade que este é um grupo restrito de palavras, que apresenta alguma variação na escrita, como se pode constatar quando se comparam os dicionários feitos em Portugal com os dicionários elaborados no Brasil.

Acrescente-se que néon é um termo científico que adapta diretamente a forma neon, denominação criada em 1898 por William RamsayMorris Travers para identificar o gás que descobriram (cf. neônio no Dicionário Houaiss). Os referidos investigadores criaram este nome a partir do grego néon, forma do género neutro do adjetivo néos.

Convém também saber que néon é a forma usada em Portugal, mas no Brasil os dicionários registam igualmente neon, a que parecem dar preferência sobretudo quando se usa para referir «letreiro luminoso em que se usa este gás» (Dicionário Houaiss). Tanto em Portugal como no Brasil e nos outros países de língua, as formas mais corretas da palavra são neónio e neônio, que também têm registo, mas acontece que o uso impôs néon/neon, que hoje se aceitam como formas corretas.

Pergunta:

Sabe-se a origem da expressão «pelas barbas de Netuno» em língua portuguesa?

Encontrei num site pouco fiável a seguinte informação: «Essa expressão, aliás, foi criada pelos homens que viviam da navegação para externar espanto em momentos de turbulência.»

Há fontes estáveis que comprovem essa hipótese?

Obrigada pela atenção!

Resposta:

A explicação apresentada pela consulente dá mais conta do contexto provável da criação da expressão do que da sua verdadeira origem, que, aliás, não se consegue determinar.

O facto de a expressão incluir Netuno (em Portugal e noutros países, Neptuno) sugere que a inspiração vem da mitologia greco-romana, mas pouco mais conseguimos apurar com base nas fontes a que temos acesso. Mas não é garantido que a expressão tenha origem direta na Antiguidade, pois pode bem ser criação mais recente, tanto no português como noutras línguas dele próximas.

Pergunta:

«Do que depender de mim, ninguém ficará a saber nada» ou «Do que depender de mim, ninguém ficará a saber de nada»?

Isto no sentido de a pessoa prometer que vai guardar segredo.

Obrigado.

Resposta:

 Os dois usos de saber são adequados ao contexto que refere na pergunta:

(1) «Do que depender de mim, ninguém ficará a saber nada» = «Do que depender de mim, garanto que não direi nada e, portanto, ninguém ficará a saber nada»

(2) «Do que depender de mim, ninguém ficará a saber de nada» = «Do que depender de mim, garanto que não direi nada e, portanto, ninguém terá informação acerca de nada»

Mesmo assim, atendendo a que, em (1), «não saber nada» pode também ser interpretado como «desconhecimento completo/ignorância completa», sem pressupor a circulação de informação, a formulação apresentada em (2) afigura-se mais precisa por sugerir uma situação em que se torna possível passar informação e fazer com que alguém obtenha conhecimento total ou parcial sobre outra pessoa ou alguma coisa, por exemplo, um acontecimento.

Daí o emprego de «saber de» em frases como «não tenho sabido de ti» ou «já sei disso» (cf. https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/averiguar-de/484).

Pergunta:

Embora seja comum usar o vocábulo aquando como fazendo parte de uma alegada locução adverbial (Caldas Aulete), a verdade é que, classificando-a apenas como conjunção, o primeiro dicionário que encontrei e que o menciona é o de Cândido de Figueiredo, atribuindo-lhe os significados de ao mesmo tempo que, quando.

No meu tempo de jovem, se bem me lembro, os populares usavam o termo aquando seguido do artigo (o/os, a/as). Gostaria de saber se consideram um erro o uso do artigo (aquando a) em vez da preposição (da), ou não passará de uma escolha um pouco ao sabor da moda. Se for possível, rogo também o favor de indicar uma qualquer página de um qualquer livro em que Camilo, Aquilino ou algum outro autor clássico, dos que honram a nossa língua, apliquem essa expressão.

Obrigado pela atenção e pelo precioso serviço a que nos habituaram.

Resposta:

O uso de aquando sem preposição está correto, como também é legítimo e – pelo menos, hoje – mais corrente o emprego de «aquando de».

Relativamente às fontes indicadas na consulta, convém assinalar que no dicionário de Caldas Aulete se regista aquando não só como locução adverbial, mas também como conjunção, o que parece não aplicar-se ao caso em apreço. Também o registo no dicionário de Cândido de Figueiredo não parece ir ao encontro do uso de aquando, com ou sem de, antes de expressão nominal; com efeito, a definição da entrada de aquando nesta fonte resume-se a indicar que se trata de « conj. pop. Ant. Ao mesmo tempo que. Quando», o que significa que se contempla o emprego de aquando a introduzir oração, mas não a introduzir uma expressão nominal (ou, se quisermos, noutro tipo de terminologia, um sintagma nominal como acontece em «aquando a Restauração»).

Se o uso de aquando que aqui se discute é o associado a uma expressão nominal, então tem de se pensar numa preposição ou uma locução prepositiva.

Facultando registos de aquando como preposição, conta-se o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 246) e o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), nos quais o autor, o filólogo Rebelo Gonçalves, exibe «aquando de» como locução prepositiva. É de notar que, nestas fontes, o que se regista é «aquando de», como locução, e não aquando, como preposição.

O gramático prescri...

Pergunta:

Priberam diz-nos que bacanal só pode ser do género feminino.

Infopédia diz-nos que é de dois géneros mas que, no sentido de «festa licenciosa», só pode ser masculino.

Para baralhar ainda mais, o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa diz que o termo é de dois géneros mas que, no sentido de «festa religiosa», só pode ser feminino.

Em que ficamos? E porquê?

Resposta:

O uso de bacanal no género masculino («o bacanal») parece tardio e próprio do registo informal.

É verdade que nos dicionários mais recentes, em linha e elaborados ou mantidos em Portugal, o substantivo bacanal não tem classificações convergentes quanto ao género gramatical. Mas o confronto do registo na Infopédia e do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) com registos mais antigos –- por exemplo, o Vocabulário Ortográfico de 1940, da ACL, e o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves – permite pensar que bacanal no género feminino é anterior ao seu uso no género masculino. Poderá, assim, supor-se que, por ser mais antigo, o uso no feminino é mais correto que o uso no masculino.

Contudo, afigurar-se-á muito estranha – pelo menos, do ponto de vista da intuição que se possa ter da língua no uso contemporâneo – uma frase como «fui ontem a uma festa que descambou numa bacanal», porque «a bacanal» parece convocar uma linguagem latinizante e assim evocar os tempos da antiga Roma. Como não é disso que se trata, espera-se que, nos dias de hoje, a tal festa tenha acabado por se tornar «uma festa licenciosa», sem ritos pagãos dedicados a um deus greco-romano (cf. Infopédia).

Propõe-se aqui, portanto, que «o/um bacanal», no masculi...