Pergunta:
Essa questão surgiu após um impasse que tive com um colega, também revisor de texto, a respeito do uso do verbo estar com pronomes acusativos como o, lo, no. Gostaria, portanto, de esclarecer alguns pontos e, se possível, obter exemplos de uso literário dessas construções.
Em frases copulativas, como:
«O aluno está cansado.»
«A porta está aberta.»
«Tu estás feliz?»
seria possível substituir o predicativo por um pronome acusativo, formando expressões como "O aluno está-o”, “A porta está-o” ou “Tu está-lo?”? Essas formas aparecem em algum registro literário, regional ou arcaico do português?
No português europeu, na locução estar + a + infinitivo, há diferença entre «Ele está-o a fazer» e «Ele está a fazê-lo»? Existe preferência normativa ou diferença de estilo entre as duas formas? Quando o pronome sobe para o auxiliar (estar), as adaptações fonéticas continuam válidas?
Por exemplo: estás + o → está-lo; estão + o → estão-no.
Formas como «Tu está-lo a terminar» ou «Eles estão-no a construir» são aceitas?
No português do Brasil, com estar + gerúndio, qual das opções é mais adequada ou usual: «Ele o está fazendo», «Ele está fazendo-o» ou simplesmente «Ele está fazendo isso»?
Por fim, fora das locuções (estar a + infinitivo / estar + gerúndio), é possível empregar «Ele está-o» (sem verbo posterior) para retomar algo já mencionado, equivalente a «Ele está nisso»?
Agradeço desde já pela atenção e, se possível, gostaria de exemplos de uso literário (clássico ou moderno) dessas construções, caso existam.
Resposta:
As frases copulativas de estar + predicativo pronominalizado («está-o») são possíveis, mas a verdade é que, com o pronome o, a significar «isso» e posposto ao verbo, essas frases parecem estranhas nos usos orais e escritos de Portugal. Por outras palavras, frases como:
(1) O aluno está-o
(2) A porta está-o
(3) Tu está-lo
poderiam ocorrer, mas não é o que acontece entre falantes do português de Portugal.
Esta situação vem descrita, por exemplo, na Gramática da Língua Portuguesa (Editorial Caminho, 2003, p. 839), de M.ª Helena Mira Mateus et al., que observam o seguinte acerca do uso de o como pronome neutro e em substituição de um predicativo do sujeito (na fonte consultada, usa-se predicado):
«O clítico invariável o [...] surge em estruturas copulativas como um predicado nominal [...] em frases como (45):
(45) (a) Umas pestes, estas crianças sempre o foram.
(b) A Ana está em casa e a Maria também o está.
A realização do clítico invariável enquanto predicado é sentida por alguns falantes como pouco natural, sendo preferencialmente substituída por uma elipse [=omissão], como ilustrado em (46):
(46) A Ana está em casa e a Maria também está.»
Note-se que na descrição acima se considera apenas a situação em que o pronome o é pré-verbal («sempre o foram», «também o está»), não havendo referência à colocação pós-verbal, pelo que se presume (impressão reforçada intuitivamente pelo redator desta resposta) que «ele/ela está-o» ou «tu está-lo» simplesmente não ocorrem e se prefere a elipse do pronome o