Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
<i>Seide</i> ou <i>Ceide</i>?
A propósito de um topónimo camiliano

A localidade onde Camilo Castelo Branco viveu os seus últimos anos tem o nome de São Miguel de Seide e situa-se em Vila Nova de Famalicão, no distrito de Braga. O uso impôs Seide, e é assim que na página da casa-museu do escritor se escreve o topónimo. Haveria alguma razão para se grafar de outra maneira? Um apontamento do consultor Carlos Rocha.

Pergunta:

Por favor, esclareçam qual das seguintes opções é considerada correta: «baia de estacionamento» ou «baía de estacionamento»?

Agradeço, antecipadamente, a atenção.

Resposta:

 A palavra correta é baia, sem acento, termo que se usava referido a compartimentos para cavalos, mas que, por extensão, pode também denotar qualquer compartimento separado de outro por uma divisória. Cf. Dicionário Priberam.

Pergunta:

No Sardoal, por várias vezes ouço aqui pessoas a dizer "ando à pergunta de", no sentido de «andar à procurar» de algo.

Nunca ouvi a expressão noutro lugar e fiquei curiosa sobre a sua eventual origem / correção ou se será apenas daquelas expressões que nascem do uso incorreto de termos, por desconhecimento ou confusão.

Obrigada.

Resposta:

É um uso popular que também ocorre no Alentejo (ver blogue Vila Ruiva).

No Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos, de Leite de Vasconcelos (1858-1941), também se regista o uso de perguntar noutras regiões portuguesas, com o significado de «procurar»: «Deve ter sido transitivo na linguagem arcaica, pois se diz hoje perguntei-o = ‘procurei-o’ (Beira).»

Em certas regiões do Algarve, também se encontra este uso de pergunta em variação com o vocábulo procura, frequentemente pronunciado "prècura", com e aberto na primeira sílaba:

«Andar à pergunta ou à prècura: procurar; andar à cata. [...]» (Mário Duarte, Glossário Monchiqueiro, Grupo de Dinamização Cultural "O Monchiqueoro", 2016).

 

 

Pergunta:

O nome Hamurabi é bastante citado na academia, sobretudo em trabalhos relacionados à história do Oriente Médio.

A minha dúvida é: qual a sílaba tônica do nome? Em teoria seria oxítono, dada a ausência de acento gráfico, mas se pronuncia como paroxítono e, se assim o é, não teria de ser acentuado na penúltima sílaba?

O nome foi de fato aportuguesado, já que perdeu a germinação do m (Hammurabi), sendo reduzido a um só, mas por que não houve acentuação?

Obrigado.

Resposta:

 A grafia e a pronúncia do nome da figura histórica em questão têm tido duas formas: 

Hamurabi, que é palavra oxítona, isto é, com acento tónico na última sílaba (cf. Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras);

Hamurábi, palavra paroxítona, isto é com acento tónico na penúltima sílaba (cf. Infopédia).

Convém assinalar que a forma Hammurabi, a mais corrente que este nome tem em inglês e francês, corresponde ao acádio Ḫammurapi, do amorita ʿAmmurāpi, um composto de *ʿammu («pai») +‎ *āpi («curador, curandeiro»), conforme se lê no Wiktionary. O 

Pergunta:

Em alguns dicionários, o verbo ticar nem se encontra dicionarizado. Noutros aparece como português do Brasil. Mas hoje em dia ouvimos muito o uso desse verbo para assinalar uma caixa, por exemplo.

É correto usar em Portugal? Ou é um brasileirismo? Ou até um anglicismo?

Resposta:

Ticar é uma palavra correta em Portugal, mas que parece mais adequada ao registo informal. É provável que seja um anglicismo adotado por via do Brasil, mas não se exclui que, em Portugal, tenha sido adaptado diretamente do inglês, de forma independente, como palavra emprestada.

De três dicionários elaborados em Portugal e atualizados – Academia das Ciências de LisboaInfopédiaPriberam –, só o Priberam regista ticar, juntando a seguinte informação:«verbo transitivo 1. [Brasil] Marcar com um tique para confirmar ou verificar. verbo intransitivo 2. [Brasil] Marcar com um furo para fazer a validação.»

Quanto a tique, como adaptação do inglês tick, na aceção de «sinal (de visto)», para referir o v que se escreve para indicar que alguma coisa foi revista ou confirmada, também só o Priberam apresenta registo.

O facto de tique e ticar terem registo mais antigo em dicionários brasileiros parece reforçar a atribuição do uso destas palavras em Portugal a empréstimo transmitido pelo português do Brasil. Contudo, não é de excluir que, em português europeu, ticar («escrever um tique») e tique (como na aceção de «sinal de visto») sejam aportuguesamentos diretos do inglês.