Pergunta:
Outro dia, numa conversa casual, certa pessoa disse a seguinte frase:
«A Atena (nome de um cão) anda cheia de quereres!»
Outra pessoa comentou que a frase estaria errada, e que o certo seria «cheia de querer», no singular.
De fato, a expressão conhecida, até onde me lembro, aparece no singular.
Achei exagerada essa acusação de erro, primeiro, porque a língua é viva e pode naturalmente se inflexionar; e, segundo, de nenhuma maneira me parece que o sentido da frase foi perdido no plural; e, finamente, é possível justificá-lo, acredito, argumentando que a pessoa que usou a expressão tratou a palavra querer como um substantivo.
Consigo imaginar perfeitamente uma situação em que quereres sejam contáveis: 1 querer, 2 quereres, 3...
Bom, estou longe ser um entendido da língua e gostaria de saber como se pode elucidar essa questão.
«Cheia de quereres» a mim é totalmente inteligível, mas o que podem me dizer os estudiosos? Como a gramática funciona neste caso?
Desde já agradecido abraço
Resposta:
O Dicionário Houaiss regista querer como nome contável: «substantivo masculino (século XIII) [...] 22 ato ou efeito de querer; desejo; Ex.: para o egoísta, acima de tudo está o seu querer. 23 firme intento; vontade; Ex.: era pessoa de muitos quereres, difícil de contentar»
Em dicionários elaborados em Portugal, também se consigna o uso correto de querer como substantivo, por exemplo, no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e na Infopédia. Acresce que o plural é possível no uso de querer, quando se considera a sinonímia com capricho, nome contável: assim como se diz e escreve «cheia de caprichos», também se afigura correta a expressão «cheia de quereres».
Finalmente, refira-se que o uso nominal de querer corresponde a um caso de conversão (também chamada «derivação imprópria»), «que procede à integração de uma dada unidade lexical numa nova classe de palavras» (Dicionário Terminológico), como acontece com o verbo olhar donde deriva o nome olhar (ex.: «um olhar sedutor»; ibidem).