Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
O que é um nome magiar?
A propósito do Nobel da Literatura de 2025

László Krasznahorkai ganhou o Prémio Nobel de 2025, e, em Portugal, os profissionais dos media devem ter sentido alguma perplexidade quanto à maneira mais adequada de pronunciar o nome do escritor. Sobre a língua nacional da Hungria e aos gentílicos relativos a este país, um apontamento do consultor Carlos Rocha.

Pergunta:

Essa questão surgiu após um impasse que tive com um colega, também revisor de texto, a respeito do uso do verbo estar com pronomes acusativos como o, lo, no. Gostaria, portanto, de esclarecer alguns pontos e, se possível, obter exemplos de uso literário dessas construções.

Em frases copulativas, como:

«O aluno está cansado.»

«A porta está aberta.»

«Tu estás feliz?»

seria possível substituir o predicativo por um pronome acusativo, formando expressões como "O aluno está-o”, “A porta está-o” ou “Tu está-lo?”? Essas formas aparecem em algum registro literário, regional ou arcaico do português?

No português europeu, na locução estar + a + infinitivo, há diferença entre «Ele está-o a fazer» e «Ele está a fazê-lo»? Existe preferência normativa ou diferença de estilo entre as duas formas? Quando o pronome sobe para o auxiliar (estar), as adaptações fonéticas continuam válidas?

Por exemplo: estás + oestá-lo; estão + o estão-no.

Formas como «Tu está-lo a terminar» ou «Eles estão-no a construir» são aceitas?

No português do Brasil, com estar + gerúndio, qual das opções é mais adequada ou usual: «Ele o está fazendo», «Ele está fazendo-o» ou simplesmente «Ele está fazendo isso»?

Por fim, fora das locuções (estar a + infinitivo / estar + gerúndio), é possível empregar «Ele está-o» (sem verbo posterior) para retomar algo já mencionado, equivalente a «Ele está nisso»?

Agradeço desde já pela atenção e, se possível, gostaria de exemplos de uso literário (clássico ou moderno) dessas construções, caso existam. 

Resposta:

As frases copulativas de estar + predicativo pronominalizado («está-o») são possíveis, mas a verdade é que, com o pronome o, a significar «isso» e posposto ao verbo, essas frases parecem estranhas nos usos orais e escritos de Portugal. Por outras palavras, frases como:

(1) O aluno está-o

(2) A porta está-o

(3) Tu está-lo

poderiam ocorrer, mas não é o que acontece entre falantes do português de Portugal.

Esta situação vem descrita, por exemplo, na Gramática da Língua Portuguesa (Editorial Caminho, 2003, p. 839), de M.ª Helena Mira Mateus et al., que observam o seguinte acerca do uso de o como pronome neutro e em substituição de um predicativo do sujeito (na fonte consultada, usa-se predicado):

«O clítico invariável o [...] surge em estruturas copulativas como um predicado nominal [...] em frases como (45):

(45) (a) Umas pestes, estas crianças sempre o foram.

(b) A Ana está em casa e a Maria também o está.

A realização do clítico invariável enquanto predicado é sentida por alguns falantes como pouco natural, sendo preferencialmente substituída por uma elipse [=omissão], como ilustrado em (46):

(46) A Ana está em casa e a Maria também está.»

Note-se que na descrição acima se considera apenas a situação em que o pronome o é pré-verbal («sempre o foram», «também o está»), não havendo referência à colocação pós-verbal, pelo que se presume (impressão reforçada intuitivamente pelo redator desta resposta) que «ele/ela está-o» ou «tu está-lo» simplesmente não ocorrem e se prefere a elipse do pronome o

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra irresolubilidade existe. Aqui, enquanto «qualidade do que é irresolúvel».

Não encontro em dicionários, com exceção do dicionário online Priberam.

Na Internet, encontro entradas referentes a documentos de natureza académica.

Gostaria de ter a certeza que posso usar o termo.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra está bem formada, a partir de iresolúvel, e por analogia com resolubilidade, derivado de resolúvel.

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa não tem entrada própria para irresolubilidade, mas na entrada resolubilidade indica-se como antónimo a forma irresolubilidade, assim reforçando a legitimidade deste vocábulo.

Pergunta:

Sempre ouvi e li a expressão «da noite para o dia». No entanto, topei agora com um «do dia para a noite».

É também uma expressão correta? A outra é mais "consagrada", digamos assim?

Obrigado

Resposta:

Ambas as formas se usam e ambas estão corretas, com o significado de «em muito pouco tempo ou muito rapidamente; de um momento para o outro» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

No Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, no Dicionário de Expressões Populares, de Guilherme Augusto Simões e nos Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português (Edições João Sá da Costa), de António Nogueira Santos, registam-se as duas formas da expressão, sem indicação de preferência, o que leva a crer que são igualmente legítimas. O mesmo acontece no Dicionário Houaiss.

No entanto, em dois dicionários elaborados em Portugal – o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Infopédia – somente «do dia para a noite» tem registo (s. v. dia).

Acrescente-se que uma consulta do Corpus do Português permite apurar que a forma «da noite para o dia» predomina em textos brasileiros. Nos textos portugueses, estas expressões não contam muitos exemplos, mas as duas formas estão representadas: «do dia para a noite», com 3 ocorrências; e «da noite para o dia», com 4 ocorrências.

Em suma, neste caso, parte da lexicografia produzida em Portugal parece favorecer «do dia para noite», mas tanta legitimidade tem esta expressão como a sua concorrente, «da noite para o dia».

«Trata-se de...», sempre no singular
Da manipulação de imagem à sintaxe errada

Num comunicado em vídeo, em circulação no Facebook, alguém refere ter a sua imagem sido alterada e utilizada abusivamente para lhe atribuir falsas declarações. A situação é resultado de técnicas de manipulação de imagem (deep fake), e o esclarecimento junta-se a outros alertas do mesmo tipo e com a mesma finalidade. Mas, desta vez, à queixa justa somou-se ainda um irritante erro sintático, como explica o consultor Carlos Rocha num comentário a este caso.