Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se os nomes dos povos indígenas devem ser escritos com letra inicial maiúscula atualmente.

Numa oração como «Os Mayos ou Yoremes são um grupo indígena que habitava perto dos vales mexicanos do rio Mayo e do rio Fuertes», podemos considerar correto o uso da inicial maiúscula?

Além disso, conserva-se o nome original em espanhol, algo que, acredito, é correto.

Muito obrigada e parabéns pelo trabalho.

Resposta:

Os nomes dos povos indígenas são um caso muito especial do ponto de vista ortográfico.

Com efeito, além da norma ortográfica geral, existe a "Convenção para a Grafia dos Nomes Tribais" (CGNT), que foi estabelecida na 1ª Reunião Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro, novembro de 1953) e que determina que os substantivos se escrevam com inicial maiúscula e que estes e os adjetivos sejam invariáveis. Exemplo: os Apinayé, os Borôro, a cerâmica kadiwéu (cf. Dicionário Houaiss s.v. etnônimo).

Para os povos indígenas do território brasileiro, pode consultar-se o Dicionário Houaiss, que apresenta os nomes registados quer de acordo com a ortografia geral quer em conformidade com a CGNT. Contudo, torna-se mais discutível aceitar as formas de nomes de povos indígenas que vivem nos territórios de outros Estados, sobretudo quando se trata, como é o caso de "Mayos" e "Yoremes", de formas espanholas, que não seguem nem a ortografia do português nem os critérios da CGNT.

Sendo assim, apesar de opção por formas invariáveis Mayo e Yoreme, com maiúscula inicial se forem substantivos, nada obsta ao aportuguesamento desses nomes, os quais, no entanto, não parecem ter registo nos dicionários mais antigos ou atualizados. Apesar de tudo, podem sugerir-se as seguintes formas: "maios" e "ioremes".

É de notar que em Portugal, no quadro da ortografia geral, é possível escrever os etnónimos com maiúscula inicial quando se refere um grupo étnico ou uma nação no seu: «Os Tupinambás». No Brasil, ao que sabemos, mantém-se um preceito que já vem do Formulário Ortográfico de 1943, o de esc...

Pergunta:

Queria perguntar se se pronuncia a letra R que vai depois das letras S, N ou L como R forte, da maneira espanhola ou não.

Por exemplo a palavra honrar – [onrrar], no lugar de [onrar].

Obrigado.

Resposta:

Depois de l, n ou s, o r pronuncia-se como vibrante múltipla, equivalente ao rr de terra, como acontece, quanto ao modo de articulação, em espanhol: palrar, honrar, Israel.

Note-se, porém, que o ponto de articulação dessa vibrante múltipla em português é atualmente diferente do r forte espanhol. Com efeito, o rr espanhol é uma consoante vibrante apical, cujo símbolo fonético é [r]. Não obstante, entre grande parte dos falantes de português contemporâneo, o r forte é uma consoante fricativa uvular múltipla, cujo símbolo fonético é [R], muito semelhante ao r do francês.

Entre vogais, o r português é geralmente1 idêntico ao do espanhol, ou seja, é uma vibrante apical simples, cujo símbolo fonético é [ɾ]: cara.

 

1 Há exceções, sendo a mais conhecida a do chamado "r caipira", que é uma consoante vibrante simples retroflexa. Em Portugal, ao que parece, entre falantes mais jovens, nota-se igualmente uma tendência para este r fraco ser articulado como retroflexo.

Pergunta:

Num contexto mais específico, a questão é: «autor-matriz» ou «autor matriz»?

Num contexto mais abrangente, a questão é: justifica-se (e, se sim, em que medida) o uso de hífen em «matriz»?

Muito obrigado.

Resposta:

Matriz é substantivo, mas também é adjetivo dos dois géneros: «ideia matriz», «frase matriz», «igreja matriz».

Tendo em conta o exemplo de «igreja matriz», expressão que se fixou na língua, observa-se que não se usa hífen com matriz. Poderia pensar-se que, como -mãe, poderia funcionar como substantivo hifenizado, o que se entenderia, porque a associação de dois substantivos num composto com significação própria se assinala geralmente na ortografia pela hifenização, embora os acordos ortográficos não sejam claros sobre este aspeto. Exemplo: casa-mãe.

No entanto, perante o funcionamento adjetival da palavra em questão, menos clara ainda se torna a necessidade de hífen.

Sendo assim, voltando ao exemplo de «igreja matriz», conclui-se que «autor matriz» também se escreve sem hífen.

Pergunta:

A propósito duma das vossas respostas, "Feminino de piloto aviador", por que razão se aceita secretária como feminino de secretário, ainda que aquela palavra também possa designar o objeto, mas já não se aceita pilota como feminino de piloto por aquele termo ter também outro significado?

Segundo a Infopédia, pilota, para além de significar «estafa», pode também ser o adjetivo feminino de piloto...

Se aceitarmos esta última hipótese, resta saber se o o de pilota tem a mesma pronúncia nos dois casos...

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Por enquanto, não há consenso quanto à correção de pilota como feminino de piloto.

Infopédia e o Dicionário Priberam registam a palavra nesse sentido, mas o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa consigna piloto como nome dos dois géneros – «o/a piloto» –, não acolhendo pilota.

As reservas quanto a «a pilota» não serão claras, mas é de supor que nos meios relacionados com atividades até muito recentemente desempenhadas apenas por homens se sinta alguma dificuldade em aceitar o nome com a marca do género feminino. Outra possível razão pode residir no facto de pilota parecer malsonante, tenha o aberto ou o fechado, além de se confundir com o homónimo pilota, um derivado de pilar pela sufixação de -ota, que se usa com o significado genérico de «exaustão provocada por longa caminhada» (Dicionário Houaiss).

É verdade que a Infopédia e o Dicionário Priberam registam pilota como feminino de piloto, embora divirjam, quanto à pronúncia. Na Infopédia presume-se que tenha o aberto como a homógrafa pilota («cansaço, sova»), mas no Priberam indica-se um o fechado.

Sendo assim, conclui-se que pilota, feminino de piloto, é forma correta, muito embora falantes e certos lexicógrafos prefiram o uso de piloto nos dois ...

Pergunta:

A Wikipédia e o Wikcionário em português atestam que é possível grafar o nome muçum (peixe preto, branco e vermelho e com escamas) como mussum (com dois ss mesmo no lugar de ç)... Isso está correto?

Aprendi que, com dois ss (e inicial maiúscula também no caso), Mussum é o nome de um comediante e sambista brasileiro, cujo nome (artístico) vem diretamente do peixe, mas sempre fui levado a crer que o peixe só se grafasse com ç!

Obrigado.

Resposta:

O nome do peixe em causa escreve-se com ç: muçum ou muçu (cf. Dicionário Houaiss e Dicionário Michaelis). É nome que vem do tupi mu'su, «espécie de enguia». A espécie assim chamada é também conhecida como enguia-d'água-doce e peixe-cobra (ibidem). O nome científico é Synbranchus marmoratus.

Relativamente ao nome do humorista Mussum, não foi possível descortinar a razão por que se escreve assim. É possível que se trate apenas de uma variante gráfica de muçum, cujo ç é mais correto do ponto de vista histórico.