Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Venho por este meio pedir algum esclarecimento sobre os substantivos grémio (masc.) e guilda (fem.), que apresentam certo grau de sinonímia nas aceções recolhidas em vários dicionários embora nos textos de História, diversamente, pareçam corresponder a realidades diferentes. Transcrevo, para ilustrar, o seguinte trecho:

«Os soldados pertenciam frequentemente a associações conhecidas como collegia. Eram similares aos grémios comerciais ou às guildas do mundo civil e, à semelhança destes, a sua organização incluía oficiais, regras e protocolos.» Gladius. Viver, lutar e morrer no Exército Romano, De La Bédoyère, Guy. Ed.Crítica.

Indico também a seguir os significados dados por alguns dicionários para estes dois vocábulos.

Grémio • Dicionário Houaiss: «5.1 Corporação de ofício (Ex.: ).» • Porto Editora online: «Grupo de entidades patronais que exploram ramos de comércio ou indústria mais ou menos afins.»

Guilda • Dicionário Houaiss: «Associação que agrupava, em certos países da Europa durante a Idade Média, indivíduos com interesses comuns (negociantes, artesãos, artistas) e visava proporcionar assistência e proteção aos seus membros.» • Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: «Organização de mercadores, de operários ou artistas ligados entre si por um juramento de entreajuda e de defesa mútua.» • Porto Editora online: «(HISTÓRIA) associação corporativa medieval que agrupava os indivíduos de um mesmo ofício (mercadores, artesãos, etc.) para fins de assistência e proteção de interesses comuns, geralmente regida por regras próprias e com jurisdição e privilégios exclusivos.»

Poderão comprovar do anterior que grémio e guilda são ambos definidos como corporações de ofício.

Acho, contudo, que no contexto da História e dos estudos históricos não são sinónimos.

Visto que a minha procura n...

Resposta:

A palavra grémio tem uso mais corrente do que guilda, palavra que se usa sobretudo em informação e estudos históricos (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

A diferença que se faz na sequência citada na pergunta provém da tradução portuguesa de Gladius. The World of the Roma Soldier, resulta de um opção do tradutor. O que se lê no texto original em inglês é o seguinte:

(1) «These were similar to trade associations or guilds in the civilian world [...].»

Em português, a opção do tradutor foi como segue:

(2) «Eram similares aos grémios comerciais ou às guildas do mundo civil»

Contudo, também se poderia ter escrito «similares às associações de comércio ou aos grémios do mundo civil».

Note-se que, consultando, por exemplo, o Dicionário Houaiss, se constata que grémio é palavra atestada em português desde o século XVI, enquanto guilda só terá atestações a partir do século XX. Isto mesmo se confirma numa pesquisa no Corpus do Português: guilda só ocorre em textos recentes, sobretudo em enciclopédias, enquanto grémio tem uso bem mais antigo, desde Camões e António Vieira, muitas vezes como sinónimo de «seio, meio, colo, regaço» e, por extensão, «qualquer lugar, instituição etc. que ofereça repouso, abrigo», para mais tarde aparecer como sinónimo de sociedade e associação, na aceção de «conjunto de pessoas organizadas em torno de um objetivo político, cultural, social, religioso, desportivo etc.» (cf. Dicionário Houaiss).

Em conclusão, grémio tem ma...

Pergunta:

Como se chama a um habitante de Getafe, em Espanha? "Getafeños", em castelhano, pode ser traduzido por "getafenhos"? Ou será, antes, "getafenses"?

Obrigada.

Resposta:

Não há tradição de uso de nome e adjetivo (gentílico) para identificar um habitante ou residente da localidade espanhola de Getafe (Comunidade Autónoma de Madrid).

Em princípio, o sufixo mais corrente para formas gentílicos é com -ense – cf. portuense, bracarense, eborense, farense –, e, portanto, getafense é, à partida, uma boa opção. Mas pode aportuguesar-se getafeño como getafenho, tal como da vila fronteiriça de Barrancos se formou barranquenho.

Pergunta:

Gostava de saber se a frase seguinte é correta:

«Enquanto estivesse a chover, a Ana não saía de casa.»

Isto é, o uso de enquanto em orações com o pretérito imperfeito do conjuntivo está correto?

Obrigado.

Resposta:

Sim, é possível empregar o imperfeito do conjuntivo numa frase introduzida por enquanto, por exemplo, quando se fala de uma situação habitual no passado.

(1) «Enquanto houvesse alguém que trabalhasse em casa[,] não descansava ele» (Júlio Dinis, Os Fidalgos da Casa Mourisca, 1871, in Corpus do Português, sub-corpus hitórico ).

(2) «[...] enquanto estivesse em Lisboa[,] o romance era agradável, muito excitante» (Eça de Queirós, O Primo Basílio, 1878, ibidem).

(3) «[...] e enquanto durasse a fortuna[,] vivia feliz e não voltava a trabalhar» (Ferreira de Castro, A Selva, 1930, ibidem).

Pergunta:

Qual das duas designações está correta, "alfamenses" ou "alfamistas", ou ambas ?

Obrigado.

Resposta:

Usam-se ambas as palavras, mas alfamense tem um valor neutro, enquanto alfamista parece ter conotação popular e castiça.

Alfamense ocorre com o simples significado de «habitante ou residente de Alfama».

Alfamista, além de sinónimo de alfamense, ocorre também noutras aceções, ligadas à vida boémia, as quais podem ser entendidas depreciativamente. É isto o que se conclui da consulta de vários dicionários, entre eles o de Cândido de Figueiredo: «Alfamista m. Habitante de Alfama, em Lisboa. Tunante; fadista.»  No Dicionário de Expressões Populares Portugueses, de Guilherme Augusto Simões, registam-se as mesmas aceções acrescidas de outras: «malandrim» e «fraseologia que estropia grande número de palavras».

Alfamista também figura na expressão «caravela alfamista», termo abonado pelo seguinte exemplo:

(1) «Referida na documentação portuguesa do século XIII, a caravela de pesca ou, de acordo com Quirino da Fonseca, pescareza [sic] ou alfamista, possuiria características muito distintas das utilizadas para a expansão marítima do século XVI» (Andreia Conceição e João Ventura, "A Caravela de Sesimbra: algumas
notas históricas sobre o seu estudo" in Akra Barbarion Sesimbra, cultura e património, Câmara Municipal de Ses...

Pergunta:

Gostaria de saber se, no título de uma obra, o que (pronome) é colocado em maiúscula.

Diz-se que as palavras inflexivas, ou sejam invariáveis, têm minúscula inicial, e que, quando é pronome relativo, é também invariável. O pronome que escreve-se, portanto, com  minúscula?

De que fonte (ou fontes) provém a regra ou convenção, para minha consulta posterior?

Muito obrigado pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

O uso de maiúsculas iniciais nos títulos é, depois da primeira palavra ou se não forem incluídos nomes próprios, facultativo no quadro do Acordo Ortográfico de 1990

Quando se opta pela escrita das iniciais maiúsculas, presume-se que se aplica o previsto pela norma anterior, ou seja, o preceito definido pelo Acordo Ortográfico de 1945, o qual se encontra exposto na Base XLIV:

«Escrevem-se com maiúsculas iniciais, nas citações, os títulos e subtítulos de livros, de publicações periódicas e de produções artísticas: O Primo Basílio - Episódio Doméstico, Os Sertões, Serões Gramaticais; A Noite (nome de jornal), Diário Oficial, Revista Lusitana; O Desterrado (estátua de Soares dos Reis), O Guarani (ópera de Carlos Gomes), Transfiguração (quadro de Rafael). No entanto, escrevem-se com minúsculas iniciais (ou minúscula exclusiva, se unilíteros), sem prejuízo de haver sempre maiúscula na primeira palavra, os seguintes componentes de títulos e subtítulos deste género: 1.°) formas do artigo definido ou do pronome demonstrativo afim; 2.°) palavras inflexivas (preposições, advérbios, etc.), simples ou combinadas com as mesmas formas; 3.°) locuções relativas a qualquer categoria de palavras inflexivas e combinadas ou não de modo idêntico. Exemplos dos três casos: Contra o Militarismo, Sóror Mariana, a Freira Portuguesa; A Morgadinha dos Canaviais - Crónica da Aldeia, Mil e Seiscentas Léguas pelo Atlântico, Oração aos Moços, Reflexões sobre a Língua Portuguesa, Voltareis, ó Cristo?; Algumas Palavras a respeito de Púcaros em Portugal, A propósito de Pasteur, Viagem à roda da Parvónia

A palavra que é invariável, mas, quando ocorre como pronome relativo, não parece entrar na categoria das «palav...