A propósito da recusa do primeiro-ministro português em «fazer "striptease" das [suas] contas bancárias», nesta crónica publicada em 16/10/2014 no jornal i, o autor considera ironicamente que a vida política posta assim a nu justifica o aparecimento de uma nova classe de verbos: os «defetivos políticos».
Alguns querem o striptease de Passos [Coelho], outros o de Marinho [e Pinto]. Em princípio o assunto não tem interesse, dada a qualidade estética dos potenciais strippers, mas há uma curiosa conjunção de factores: um striptease envolve música e o Dr. Passos tem fama de musical; o Dr. Pinto talvez não cante, mas pia, por inerência existencial. «Eu não me stripitiso em público!», canta um. «Ai stripitisa-se! E eu também vou me stripitisar!», trauteia o outro. Aguardemos.
Se existisse, o verbo ("striptear", "stripitisar" ou semelhante) estaria condenado à nascença a ser defectivo. Este feio nome recebe o verbo que se afasta da conjugação normal por falta de algum tempo, modo ou pessoa. Há defectivos que se conjugam apenas na terceira pessoa do singular (haver), há os que se conjugam na terceira do singular e do plural (acontecer) e há os defectivos por eufonia.
Os defectivos por eufonia carecem de algumas formas porque facilmente se prestam a equívocos, são de difícil pronunciação ou soam mal: abolir, banir, colorir, emergir, falir, adequar, munir.
A classe política já provou que não sabe – e não quer – conjugar um grande número de verbos que os gramáticos não incluíram na lista dos defectivos. Dá assim mais uma contribuição para o enriquecimento da língua. Entre os defectivos políticos estão corromper (alguém já ouviu um político dizer «eu corrompo»), sonegar («eu sonego»), repelir («eu repilo»), assumir («eu assumo a responsabilidade»), demitir («eu demito-me»)? Defectivos, para sempre.
1 N.E. – Sobre o aportuguesamento de empréstimos, voltamos a recordar que, no contexto da ortografia do português, os derivados dos estrangeirismos que sejam nomes comuns pressupõem o aportuguesamento ortográfico dessa mesma base de derivação; só os derivados de nomes próprios podem manter «combinações gráficas não peculiares à nossa escrita», conforme o disposto na Base II do Acordo Ortográfico de 1945, que é retomado pela Base I, 3.º do Acordo Ortográfico de 1990; exemplos: « comtista, de Comte; garrettiano, de Garrett; jeffersónia, de Jefferson; mülleriano, de Müller; shakespeariano, de Shakespeare (ibidem). Sendo assim, seria de esperar que striptease passasse a "estriptise" ou "estripetise", com e antes de s, à semelhança de ski que passa a esqui, com a adição (prótese) de uma vogal de apoio ao s inicial seguido de uma ou duas consoantes. Esta vogal de apoio ocorre no aportuguesamento de stress, que, sobretudo no Brasil, assume a forma estresse, de acordo, aliás, com um processo que está atestado na história da língua portuguesa. No entanto, em Portugal, as tendências de evolução linguística levam a que possa articular-se o referido s sem uma vogal de apoio a precedê-lo, o que levou o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa a fixar em 2001 as formas "stafe", "stande" e "stresse" como aportuguesamentos das palavras inglesas staff, stand e stress. Estas adaptações suscitaram reações adversas e não se implantaram no uso, preferindo-se em Portugal o uso das forma inglesas em itálico ou entre aspas. Trata-se de uma área que requer a intervenção de entidades a que se reconheça competência na fixação da norma.