Texto de Ana Martins no semanário Sol, sobre as dimensões linguística e cognitiva da metáfora.
A metáfora é vulgarmente definida como uma figura de estilo, própria do texto literário. São metáforas célebres o «fogo que arde sem se ver», de Camões, o «manto diáfano da fantasia», de Eça, ou o «comboio de corda que gira a entreter a razão», de Pessoa.
Mas a metáfora anda por aí, no discurso do dia-a-dia, quando, por exemplo, utilizamos expressões como «perna da mesa», «céu da boca» e «maçãs do rosto» (metáforas mortas ou catacreses). Por outro lado, não há boa chalaça sem recurso à metáfora. Mais: a metáfora marca presença no discurso técnico-científico; por exemplo, na área da economia: «bolsa de valores», «cabaz de acções», «nicho de mercado», «lucro líquido», etc.
O que une todas estas construções é o facto de uma ou mais palavras serem usadas fora do seu significado concreto para passarem a exprimir uma realidade abstracta e de outro domínio conceptual. Há diferenças, claro: a metáfora literária está ao serviço do enriquecimento estético, da originalidade e da plurissignificação; a metáfora técnica é anónima, de sentido unívoco e reconhecida como válida por uma comunidade científica. As catacreses são também anónimas e moldam as nossas percepções e acções sem que disso dêmos conta. As metáforas da chalaça são criações conscientes, mas distinguem-se das metáforas literárias por não terem um nobre objectivo expressivo, servindo apenas para provocar o riso.
No entanto, não é raro assistirmos ao resvalar de um tipo de metáfora para outro.
Por exemplo:
No passado dia 18 de Agosto, o primeiro-ministro declarou que foram criados 133 mil «empregos líquidos». Ora, consultando o sítio do INE, verificamos que no 1.º trimestre de 2005 (quando o Governo tomou posse) havia 412,6 mil desempregados e que no 2.º trimestre deste ano havia 409,9 mil, donde resultam 2,7 mil empregos.
De 2,7 mil para os 133 mil «empregos líquidos» vão 130,3 mil «empregos gasosos», e os cargos ocupados em empresas públicas por ex-titulares de cargos governativos são os «empregos sólidos».
Artigo publicado no semanário Sol de 13 de Setembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.