Sobre o poder da metáfora no comentário político — um artigo de Ana Martins no semanário Sol.
Vi os debates televisivos dos principais candidatos às legislativas procurando aí encontrar algum aspecto linguístico-discursivo de relevo. Mas depois de ter ouvido, no Rádio Clube, Inês Serra Lopes, Helena Garrido e mais alguém a debaterem o debate Sócrates vs. Ferreira Leite, percebi que era para o debate do debate que devia desviar a minha atenção.
Verifico então que os jornalistas e os comentadores profissionais assentam os seus comentários na metáfora do jogo: o debate é uma partida de futebol («[Manuela Ferreira Leite] parecia quase uma daquelas equipas que guardam os melhores trunfos para o derby decisivo», Martim Silva, Expresso); o debate é uma sessão de pugilato («sem que nenhum levasse o adversário ao tapete», São José Almeida, Público); é um circo romano («Ninguém morreu na arena dos dez debates», José Manuel Fernandes, Público); uma partida de esgrima («Ao fim de quatro combates, [Manuela Ferreira Leite] não deixou que a encostassem à direita das antipolíticas sociais (…) [Francisco Louçã] deixou-se encostar à esquerda radical por mais de uma vez», ibidem); é como uma corrida de Fórmula 1 («Se José Sócrates e Ferreira Leite fossem corredores de Fórmula 1, o debate de hoje (…) seria volta de qualificação para a grelha de partida», Ana Paula Correia, JN). E mesmo quando não se consegue identificar bem o tipo de jogo subjacente à descrição do debate, é reconhecível a transmutação do comentário em relato desportivo: «O trunfo do fim dos benefícios fiscais (…) deixou Sócrates em clara vantagem. (…) Portas voltou a exibir-se em boa forma frente a Louçã», Pedro Curvelo, DD). E quando a disputa não é suficientemente empolgante e acesa (só depois da combustão pode haver o rescaldo, onde se instalam os comentadores), o debate é imediatamente (des)qualificado como frouxo (Humberto Costa, Expresso) ou morno (Ana Paula Correia, JN) ou soporífero (Pedro Curvelo, DD), com Clara de Sousa a confessar: «ainda tentei puxar por eles, mas não resultou» (JN, 12/09/09).
É um bom serviço prestado ao país: dado que não é num debate de 60 minutos que cabe a discussão responsável das opções de governação de uns e de outros, há que chamar o povo que mais ordena a tomar partido, literalmente, fazendo-o ir à bola com a política.