1. A expressão da posterioridade da acção em relação ao momento da enunciação (a expressão de um tempo futuro) raramente é expressa pelo futuro simples. Domina o futuro perifrástico (i) ou o presente futural (ii):
«Vou ao médico.»
2. Não há nenhuma ocorrência de «vou ir» no padrão do português europeu. Não podemos concluir, todavia, que tal se dá por estarmos em face de um pleonasmo: vou indo não é rejeitado como sendo um pleonasmo, da mesma maneira que vou vir não é sentido como uma contradição.
Porquê? Porque, tal como o consulente referiu, o verbo ir da primeira posição é um verbo auxiliar, ou seja, um verbo que sofreu um processo de gramaticalização. Falamos de gramaticalização quando uma palavra de significação objectiva se apresenta com uma significação gramatical ou, digamos, instrumental.
Na frase:
«Vai formosa e não segura/Leonor pela verdura», o verbo ir é um verbo pleno, significa «deslocar-se para um lugar distante do locutor».
Já na frase:
«Leonor vai tropeçando aqui e ali», o verbo ir transporta informação gramatical (aspectual, de visão prospectiva da acção).
Repare-se, a propósito, que as construções abaixo não são consideradas pleonásticas:
«Vou deslocar-me a»
O mesmo se passa com «ia a ir»:
«Quando ia a ir para a fonte, Leonor torceu o tornozelo.»
3. Conclusão: de um modo geral, ninguém diz «vou ir», apesar de não haver nenhuma regra, gramatical ou semântica, que explicitamente coarcte essa construção.