Começando pela sua última questão, o problema que coloca está, parece-me,
directamente relacionado com o conceito de regência que, aqui, defino como o conjunto de contextos em que uma palavra pode ocorrer e o tipo de construções com que pode ocorrer.
A gramática tradicional sempre se preocupou bastante com esta questão no que aos verbos diz respeito, classificando-os como intransitivos, transitivos, transitivos directos, transitivos directos e indirectos. Mas, nesta classificação, ficaram de fora, ou menos bem classificados se quisermos, verbos como ir, considerado como intransitivo quando todos sabemos que este verbo só se completa com um complemento preposicional, isto é, introduzido por uma preposição, que pode ser diferente, veiculando sentidos diversos, ou pelo menos com alguma variação.
Estudos relativamente recentes foram demonstrando que não são só os verbos a exigirem, dada a sua estrutura lexical, uma determinada regência. Isso também acontece com os nomes. E se a maioria dos complementos do nome pode ser omitida, casos há em que o complemento preposicional tem que estar expresso, sob pena de a frase ser agramatical, ou pelo menos ambígua. Se dissermos (1), de forma isolada, ficaremos satisfeitos com a mensagem? Ou precisaremos de uma frase como (2)?
(1) ?Há a possibilidade.
(2) Há a possibilidade de concluir o trabalho dentro do prazo.
Ora tal como há nomes que, para completarem o seu sentido, carecem de um complemento expresso em muitos contextos, o mesmo acontece com alguns adjectivos. Repare-se nas frases (3) e (4):
(3) ?Estou desejoso.
(4) Estou desejoso de acabar o trabalho.
Tal como acontecia em (1) com o nome, (3) carece de um complemento associado ao
adjectivo para poder entender-se plenamente a mensagem. Esta situação acontece com muitos adjectivos que, todavia, não deixam de desempenhar na frase a função que lhes cabe e que em (4) é a de predicativo do sujeito. O mesmo acontece com outros adjectivos como digno, difícil, etc.
Podemos, pois, considerar como correcta a referência que aparece na TLEBS, o que não significa, porém, que este conceito, como outros, não precise de ser mais divulgado e explicitado de forma mais clara e completa.
Abordada a questão que admite a existência de adjectivos que exigem, como os nomes e os verbos um complemento, vejamos as outras questões que coloca.
Pergunta se no exemplo 3, que repito como (5), não seria suficiente a classificação de complemento preposicional.
(5) A Maria [pensou [em [comer o bolo todo]]].
Tudo depende do grau de profundidade a que pretendermos levar a análise. Comparem-se as frases (6) e (7):
(6) Penso nas férias.
(7) Penso em visitar os meus amigos.
Em ambos os casos estamos perante o verbo pensar que, como é próprio da sua regência na maioria dos contextos, vem seguido de um complemento preposicional. Mas estes dois complementos preposicionais têm complexidade distinta. Em (6) o complemento preposicional analisa-se, ou desdobra-se, da forma mais simples: ao grupo preposicional segue-se um grupo nominal e pronto. Em (7) estamos perante um grupo preposicional que contém uma frase «visitar os meus amigos». Como dou conta desta diferença? Alargando a classificação, tornando-a mais fina. Por outro lado, tradicionalmente, sempre que um complemento é frásico, a classificação que se privilegia é a de frase. Repare que numa frase como «O João disse que vinha cedo» não nos limitamos a dizer que «que vinha cedo» é o complemento directo do verbo…
Pergunta ainda se, no exemplo 4, que repito como (8), «a função sintáctica correcta não é complemento frásico do nome/complemento preposicional não frásico do nome»
(8) A [possibilidade [de [recorrerem da decisão]]] foi vedada aos candidatos.
Em princípio, sempre que há um verbo expresso estamos perante uma frase e para darmos conta plena da complexidade da estrutura temos de ter isso em consideração. No caso da frase (8), estamos perante um nível global em que há um sujeito - «a possibilidade de recorrem da decisão» - e um predicado - «foi vedada aos candidatos».
Do mesmo modo que temos a possibilidade de desmontar o predicado, podendo dizer que para além do verbo – que é formado por uma perífrase verbal, marcando a voz passiva «foi vedada» – temos um complemento indirecto «aos candidatos», podemos, igualmente, desmontar, ou analisar, o sujeito desta frase passiva que – por ter como núcleo um nome como possibilidade – vai ver o seu núcleo completado através de um complemento que é uma frase, ainda que introduzido por uma preposição. Por ser uma frase, a forma como devemos classificá-la é como complemento frásico.