Existe o termo êntase (cf. Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora) como termo da arquitectura, com o significado de «engrossamento da parte central do fuste de uma coluna grega, para que esta pareça reta, visando à correção da ilusão óptica de concavidade produzida por fuste perfeitamente cilíndrico» (Dicionário Houaiss). Esta palavra tem origem no grego éntasis, «grossura ou alargamento no meio de uma coluna», e surgiu em português por intermédio da forma latina entăsis, is.1
Contudo, o contexto e o significado apresentados levam-me a crer que estamos na presença de um homónimo, hipótese que é confirmada por Plinio Prioreschi, na obra A History of Human Responses to Death: mythologies, rituals and ethics (Edwin Mellen Press, pág. 162):
«In his classical study of Yoga, Mircea Eliade uses the suggestive term entasis to describe the state of samadhi. Entasis is to be contrasted with extasis, meaning literally to stand outside oneself. To be in a state of ecstasy is to be transported into another mode of existence; to be in entasis, or samadhi, is to abandon all transport and all alternative modes of existence, and merely stand with perfect stillness inside oneself.»
Tradução minha: «No seu estudo clássico sobre o ioga, Mircea Eliade usa o termo sugestivo entasis para descrever o estado de samadhi. Deve contrastar-se a entasis com o êxtase, o qual significa literalmente "ficar fora de si". Estar em êxtase é ser transportado para outro modo de existência; estar em entasis, ou samadhi, é abandonar todo o transporte e todo o modo alternativo de existência, apenas permanecendo em perfeita quietude dentro de si.»
Apesar de não ter traduzido nem adaptado entasis, considero a forma êntase possível, embora me pareça uma criação sugerida por uma análise menos convencional da palavra êxtase, ou, melhor, do termo cognato usado por Mircea Eliade em francês, língua em que escreveu a obra citada por Prioreschi. Êxtase vem do grego ékstasis,eōs, «deslocamento, movimento para fora, perturbação mental determinada por terror, assombro ou por cólera», palavra que é constituída por ek-, «para fora», e stásis, «condição de estar de pé (cf. The Concise Dictionary of English Etymology e Dicionário Houaiss). Diz o Dicionário Houaiss que a palavra passou ao português «[...] pelo lat[im] tar[dio] ecstăsis,is, melhor que exstăsis e mais ainda do que extăsis». Tudo indica, portanto, que a grafia portuguesa é enganadora, por deixar supor que o prefixo é ex- em vez de ec-.
Nest contexto, o que êntase configura é uma interpretação etimologicamente incorrecta de êxtase: ex- (ou ex- em francês, que é a língua em que o termo em questão foi criado) é interpretado como o prefixo latino ex, «para fora», quando na realidade é de ec- que se trata; depois a sequência truncada "-tase" é interpretada como «movimento», para poder receber en-, forma portuguesa do prefixo grego en-, «dentro, em», quando a rigor a base da prefixação deveria ser estase, do grego stásis. Obtém-se assim entâse, palavra inventada cuja pseudo-etimologia é «movimento para dentro».
1 Também está registada a forma entase (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado).