Para já, é necessário aceitar que uma língua constrói a sua própria lógica, que pode ou não coincidir com as regras da lógica formal ou as que nos permitem dar coerência ao mundo em redor. Depois, deve-se observar a lógica da língua que o consulente fala: em castelhano, a temperatura que se sente e o tempo que está (ou faz) são referidos por uma frase em que ocorre o verbo hacer, «fazer» — «hace frío» = «está frio», «hace calor» = está calor».
Não sendo a construção com fazer totalmente desconhecida do português — além de «está sol», diz-se «está a fazer sol» ou simplesmente «faz sol» —, o uso do verbo estar é ainda assim mais corrente, pelo menos em português europeu. A explicação do seu uso pode ser procurada nas frases com valor existencial do tipo «está um homem/um polícia/um elefante lá fora» ou, por exemplo, «estão dois marcianos no jardim», nas quais se reporta a existência de uma determinada entidade num dado lugar. Note-se que nestas frases com o verbo estar o sujeito vem depois do verbo, por razões de apresentação da informação, que em português determina que a informação nova venha depois do verbo: «O que se passa? Está um elefante lá fora.» Esta construção é semelhante à do verbo haver, embora a relação sintáctica do verbo com a expressão nominal já não seja a mesma: «há um elefante no jardim.»
De modo parecido, quando se fala do tempo, começa-se por usar o verbo estar e, em seguida, emprega-se a expressão que o avalia: «está calor/frio». Estas frases permitem variantes com o emprego de adjectivos: «está quente/frio». Neste caso, as análises sintáctica e lógica são talvez mais pacíficas, porque a construção permite uma paráfrase como «o tempo está quente/frio», em que quente e frio são predicativos.
Há que observar, contudo, que as frases em discussão estão também idiomatizadas na língua, isto é, existem quase como expressões fixas. Este facto explica que «está escuro» seja mais corrente que «está escuridão», que, não estando incorrecta, tem um estatuto mais marginal no discurso.