As palavras em questão, isoladas, descontextualizadas, têm [s] inicial, e não [ʃ]1 – por outras palavras todas começam pelo s de sal, e não pelo ch de chave ou o x de Xavier. No entanto, pode acontecer que, no encadeamento de uma frase, no português de Portugal, essa consoante inicial possa ser assimilada a um [ʃ] que a preceda, por exemplo, um morfema de plural.
Dando exemplos:
1- «Os cerca de cinco milhões de euros de que falei estão perdidos.»
2- «Os Cinco são uma criação de Enid Blyton.»
3- «A Branca de Neve e os Sete Anões é uma história longa.»
Em 1, 2 e 3, dá-se o encontro de [ʃ] e [s], tal como ocorre em nascer ou descer, palavras cuja pronúncia cuidada corresponde à sequência [ʃs]: [nɐʃ’seɾ], [dɨʃ’seɾ] (cf. Portal da Língua Portuguesa).
Contudo, na pronúncia menos tensa, de débito rápido, mais informal, essa sequência pode reduzir-se a [ʃ]: «o[ʃ]erca...», «O[ʃ]inco...», «O[ʃ]ete Anões...», na[ʃ]er, de[ʃ]er2.
Este fenómeno não tem que ver com as vogais e e i. Na verdade, não é determinado pelo contexto vocálico, como se comprova por ocorrências de palavras com s inicial seguido de a, o e u – por exemplo, sapo, sobreiro e subida –, precedidas de artigo definido ou de qualquer outro determinante terminado em -s: «os sapos» – [uʃ’sapuʃ] (pronúncia pausada)/ [u’ʃapuʃ] (pronúncia rápida ou informal); «os sobreiros» – [uʃsu’brɐjruʃ]/[uʃu’brɐiruʃ]; «as subidas» – [ɐʃsu’bidɐʃ]/[ɐʃu’bidɐʃ].
1 O símbolo fonético [s] representa uma consoante fricativa dental surda, como a que se associa aos grafemas sublinhados em pássaro, caça, cinto, receita ou sardinha. O símbolo [ʃ] indica uma consoante fricativa palatal surda, a dos grafemas sublinhados em chamar e baixo. Sobre símbolos usados na transcrição do português, conforme o Alfabeto Fonético Internacional, leia-se a resposta "A transcrição fonética das palavras da língua portuguesa".
2 O fenómeno é descrito por Maria Helena Mateus e Ernesto d'Andrade em The Phonology of Portuguese (Oxford, Oxford University Press, 2000, pág. 145, nota 14; as sequências entre // indicam sequências de letras): «In casual speech, /ss/, [ʃs], and /sz/, [Ʒz], are [...] simplified, in [ʃ] and [Ʒ], respectively: dois sapatos [dójʃɐpátuʃ] [...], dois zeros [dójƷɛɾuʃ] [...]. In word internal position, a similar thing happens: nascer [nɐʃséɾ] [...], piscina [piʃsínɐ] [...] are normally pronounced [nɐʃéɾ] and [piʃsínɐ]. In northern and eastern dialects they are realized as [nɐséɾ] and [pisínɐ]» [tradução: «No discurso informal, ss/, [ʃs], e /sz/, [Ʒz], são simplificados em [ʃ] e[Ʒ], respetivamente: dois sapatos [dójʃɐpátuʃ] [...], dois zeros [dójƷɛɾuʃ]. Em posição interna de palavra, acontece coisa semelhante: nascer [nɐʃséɾ], piscina [piʃsínɐ] são normalmente pronunciados [nɐʃéɾ] and [piʃsínɐ]. Nos dialetos setentrionais e orientais, esta sequências são realizadas como I[nɐséɾ] e [pisínɐ]»].