DÚVIDAS

«Pensar/acreditar em....»
vs. «pensar/acreditar que...»

Nas frases "Ele pensou que ela não voltaria tão cedo." ou "Todos acreditaram que a verdade viria à superfície.", as orações completivas desempenham a função de complemento oblíquo ou complemento direto?

Dado que os verbos "pensar" e "acreditar" selecionam a preposição "em", parece-me que a substituição pelo pronome "isso" resulta agramatical: "Ele pensou isso." ou "Ele acreditou isso." Não deverá dizer-se "Ele pensou nisso." ou "Ele acreditou nisso." ? Inclino-me mais para que sejam complementos oblíquos mas posso estar enganada.

Obrigada.

Resposta

As orações subordinadas substantivas completivas das frases apresentadas têm a função sintática de complemento oblíquo.

Os verbos que regem preposições podem admitir dois tipos de construção:

(i) com grupos nominais, situação em que é obrigatória a presença da preposição a introduzir este constituinte:

     (1) «Ele acredita na versão da Rita.»

(ii) com orações subordinadas completivas, situação em pode ser admitida a supressão da preposição regida pelo verbo da oração subordinante:

     (2) «Ele insistiu em que a Rita tinha razão.»

     (3) «Ele insistiu que a Rita tinha razão.»

Note-se que, com o verbo acreditar, a supressão da preposição parecer ser mesmo a opção preferida dos falantes:

      (4) «Todos acreditaram que a Rita tem razão.»

      (5) «?Todos acreditaram em que a Rita tem razão.» 

A forma de identificar a função sintática da oração subordinada completiva pode passar pela possibilidade de pronominalização e pelo cotejo com o comportamento de um grupo nominal que surja no seu lugar.  Assim, na frase (6a) fica patente a possibilidade de substituição da oração que complementa o verbo acreditar por preposição seguida da forma tónica de um pronome neutro (neste caso, isso), o que sinaliza a função de complemento oblíquo, e a sua equivalência a um grupo nominal introduzido pela preposição em, na frase (7), o que também assinala a presença da função de complemento oblíquo1.

(6) «Todos acreditaram que a verdade viria à superfície.»

 (6a) «*Todos o acreditaram.» / «Todos acreditaram nisso.»

(7) «Todos acreditaram na verdade.»

A análise da frase que inclui o verbo pensar é um pouco mais complexa, uma vez que este verbo pode ter uma construção transitiva direta ou transitiva indireta, conforme assinala o Dicionário Houaiss, o que permite frase como (8) ou (9):

(8) «Penso a verdade.» (verbo transitivo direto)

(9) «Penso na verdade.» (verbo transitivo indireto)

Poderá existir nestas construções uma especialização semântica que as diferencia, que o dicionário não aprofunda e que nós não temos possibilidade de aferir neste espaço.

A substituição da oração completiva apresentada pela consulente, aqui transcrita em (10), pelo pronome isso antecedido de preposição é aceitável (cf. (10a), o que aponta para que a oração tenha a função de complemento oblíquo.

(10) «Ele pensou que ela não voltaria tão cedo.»

(10a) «Ele pensou nisso.»

Todavia, considerando um uso transitivo do verbo pensar, a substituição da oração pelo pronome o (cf. (10b), também poderá ser aceitável para alguns falantes, o que indicará que, neste uso, a oração completiva terá a função de complemento direto:

(10b) «?Ele pensou-o.»

Perante estas duas possibilidades e sem outros elementos de análise, consideramos que existem argumentos para considerar que a oração completiva que complementa o verbo pensar poderá desempenhar tanto a função de complemento direto como de complemento oblíquo.

A identificação da função sintática desempenhada por orações completivas oblíquas envolve alguma complexidade, pelo que se sugere que estas estruturas não sejam analisadas em contexto não universitário. Não esqueçamos também que o Dicionário Terminológico apenas refere as orações completivas com função de sujeito, de complemento direto e de complemento do nome. 

Disponha sempre!

 

? marca a dúvida relativamente à aceitabilidade da frase.

*assinala a impossibilidade da frase.

 

1. Para maior aprofundamento da questão das orações completivas oblíquas, leia-se Barbosa in Raposo et al., Gramática do Português. Ed. Calouste Gulbenkian, ponto 36.6.2 , pp. 1869 - 1873. 

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