Embora se tenha banalizado a palavra paródia, sendo usada frequentemente, na grande maioria das vezes, com o sentido de «pândega, divertimento, gracejo, troça» ou de «imitação ridícula ou cínica de qualquer coisa» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010), a realidade é que tal termo tem a sua origem no domínio literário. Remetendo para a etimologia, verifica-se que paródia deriva «do grego parōdès [de para, “semelhante” + odès, “canto”], “um canto, uma poesia semelhante à outra, com carácter humorístico” (Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, VI, de Silveira Bueno, 1966), o que nos parece representar o conceito que se tornou comum designar por sátira.
No entanto, e apesar da vulgarização da palavra, tanto paródia como sátira são, de facto, termos literários, que têm em comum a criação do cómico, mas designam realidades diferentes. Carlos Ceia, em E-Dicionário de Termos Literários, apresenta as características da paródia do seguinte modo:
«Em definição simples, a paródia, enquanto termo literário, refere-se ao processo de imitação textual com intenção de produzir um efeito de cómico. A forma como se processa essa imitação, a motivação para o acto imitativo e as consequências esperadas para esse acto determinam a natureza literária da paródia. Por exemplo, a paródia é a forma privilegiada do exercício poético-ficcional da auto-reflexividade [presente em vários romances, como os] de Italo Calvino, John Fowles, David Lodge, José Saramago, Mário de Carvalho ou Alexandre Pinheiro Torres, de Camilo Castelo Branco […] e também em alguns periódicos. Não sendo um recurso exclusivo de uma época, está suficientemente documentada no espaço que se convencionou chamar literatura pós-moderna para nos permitir distinguir a paródia também como paradigma desta época. A condição de auto-reflexividade é apenas uma forma de realização da paródia e não a sua definição final […].»
Ceia coloca-nos, também, perante a ambiguidade que se tem gerado a propósito de paródia e de sátira, o que o leva a dizer que «é frequente a confusão, quase natural, entre o conceito de paródia e outros que vivem nas suas proximidades, sobretudo: a sátira, o pastiche, a paráfrase, a alusão, a citação e o plágio», razão pela qual enuncia as diferenças e os aspectos em comum, de que se destacam os seguintes:
— «A paródia é a deformação de um texto preexistente», [ao passo que] «a sátira é a censura de um texto preexistente».
— «A paródia deforma, censura, imita (criativamente), desenvolve, referencia e não transcreve um texto preexistente» [enquanto] «a sátira censura e referencia, mas não imita, não deforma e não desenvolve um texto preexistente».
— Tanto a paródia como a sátira «são ridicularizações de textos preexistentes».
— A paródia e a sátira «usam a ironia como estratégia retórica».
— «A paródia e a sátira não conservam a ideologia do texto-objecto.»
— «A paródia e a sátira suportam o exercício de auto-reflexividade.»
— «A paródia e a sátira implicam sempre uma atitude de protesto para com os objectos parodísticos e satíricos e será desta atitude que nascerá a condição pós-moderna que arrisco para uma renovada aplicação da paródia.»
Toda a repetição ou retoma de um texto a ser objecto de paródia tem de pressupor uma diferenciação. Portanto, a paródia não pode ser reafirmadora do sentido mas desafiadora de tudo o que num texto preexistente suportar ser desconstruído.
Tendo em conta o que foi dito, parece-nos que, para classificar/definir/designar como paródia ou como sátira o programa (O Último a Sair) a que a consulente se refere, deveremos ter como referência os pressupostos de cada um dos termos. Portanto, se o programa «imita, censura, deforma e referencia» um outro programa, poder-se-á inferir de que se encontra no domínio da paródia; mas, se não imitar o outro programa, limitando-se a censurá-lo e a referenciá-lo, então será uma sátira.
Apesar de se referir aos mesmos termos — paródia e sátira —, tratados em primeiro lugar a nível do domínio literário, a segunda questão que nos apresenta é do âmbito linguístico, pois incide sobre os regimes preposicionais dos dois substantivos.
Segundo o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjectivos (1962), de Francisco Fernandes, paródia pode ser usada com duas preposições: a e por. Exemplos:
«Os mesmos vícios, ardilezas e paixões lhes sublinhavam os actos da paródia aos humanos.»
«O outro, a metodização da chacina humana pela mais ignóbil paródia da justiça.»
Por sua vez, da consulta realizada a Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, verificou-se o emprego de quatro preposições, em 166 ocorrências, para se referir ao objecto da sátira: a, de, sobre e contra. Exemplos:
Sátira a: «Sátira aos valores tradicionais», «sátira à corrupção», «sátira ao governo», «sátira às tradições»
Sátira de: «Sátira de costumes», «sátira da retórica e da filosofia», «sátira do quotidiano»
Sátira sobre: «Sátira sobre o mundo», «sátira sobre as intrigas», «sátira obre a sociedade».
Sátira contra: «Sátira contra os portugueses», «sátira contra o duque».