Ambas as frases estão sintacticamente correctas, mas a primeira («Fui parado pela polícia») pode não reunir consenso quanto à sua aceitabilidade. Esta dificuldade deriva de alguns aspectos da sintaxe e da semântica de parar, que só brevemente poderei aqui abordar.
Assim, baseando-me no Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil (coord. Francisco da Silva Borba, São Paulo, Editora Unesp, 1991), verifico que a significação de parar se associa aos seguintes tipos de selecção sintáctico-semântica (exemplos retirados ou adaptados do referido dicionário):
1. Quando é transitivo directo, indica acção-processo com sujeito agente/causativo e complemento que pode ser preenchido por:
– Nome animado: «Vila Nova parou o sacristão.»
– Nome abstracto de acção/processo, opcionalmente introduzido por com: «Tatiana parara o ensaio»; «Parem com essa algazarra!»
– Nome indicativo de mecanismo: «Potter quase parou o carro.»
2. Quando é intransitivo
2.1. Indica processo com sujeito paciente expresso por:
– Nome concreto não-animado: «O vento parara»; «O trem parou numa estaçãozinha erma.»
– Nome de organização: «O país não parou.»
– Nome abstracto: «A conversa parou.»
2.2. Indica acção com sujeito agente (se acompanhado de locativo, semanticamente afim do tipo 4): «O empregado parou no meio da escada.»
3. Indica aspecto cessativo como verbo auxiliar aspectual seguido da preposição de: «É preciso não parar de falar.»
4. Há um quinto tipo, que Silva Borba associa aos subtipos de 2.1., mas que separo deles, apenas porque tem um padrão de construção sintáctica e uma significação diferentes. Trata-se de parar transitivo indirecto, com sujeito realizado por nome humano/abstracto e com locativo: «Por que Glauco tem parado tão pouco em casa?»; «Sua curiosidade não parou ali.»
5. Estruturalmente próxima de 4., temos a construção em que o verbo é precedido dos auxiliares ir e vir, com sujeito expresso por nome e locativo: «Já não me lembro de onde vim, como vim parar neste navio»; «[Um dos programas] foi parar no camarim das mais velhas.»
O referido dicionário atribui uma acepção a cada tipo, as quais sintetizo assim:
Tipo 1: «fazer cessar»
Subtipos 2.1. e 2.2.: «cessar de movimentar-se, de funcionar» e «não continuar»
Tipo 3: «deixar de»
Tipo 4: «permanecer»
Tipo 5: «atingir»
Vemos, portanto, que o verbo parar é sobretudo um verbo intransitivo, já que a maioria dos tipos estruturais e semânticos se comporta assim (subtipos 2.1 e 2.2, tipos 3,4 e 5). Mesmo quando é transitivo, a sua paráfrase integra a sua intransitividade: «fazer alguém/alguma coisa cessar» (cf. tipo 1).
Voltando às duas frases apresentadas na pergunta:
(1) Fui parado pela polícia.
(2) Fui mandado parar pela polícia.
As frases são equivalentes, uma vez que parar alguém é mandar parar alguém ou fazer parar alguém, de acordo com a acepção do tipo 1, acima descrito. No entanto, pedi a várias pessoas que emitissem juízos de gramaticalidade e aceitabilidade sobre «fui parado»; concluí que há divergências: uns aceitam, outros não, outros ainda não sabem.
Penso que esta falta de consenso se liga ao facto de a transitividade de parar (alguém, alguma coisa) não ser típica, porque subjacente a ela está parar, que é verbo intransitivo. Sendo assim, pode resultar estranho que se diga «fui parado», quando parar se refere a um evento intrínseco ao próprio sujeito verbal, que suspende uma dada actividade (veja-se, por exemplo, a frase «estava a andar e, de repente, parei»).
Por outro lado, o particípio parado parece ter propriedades adjectivais semelhantes à dos particípios dos verbos inacusativos crescer e desmaiar. Sem entrar em grandes pormenores, direi apenas que um verbo inacusativo é um verbo intransitivo cujo sujeito é um argumento interno. Isto significa que o sujeito de crescer e desmaiar tem propriedades sintácticas semelhantes ao complemento de um verbo transitivo, ver, por exemplo, como mostram as seguintes frases:
(3) Visto o filme, todos se despediram.
(4) Chegados os polícias, todos dispersaram
A frase participial de (4), em que ocorre um verbo inacusativo, é gramatical, tal como o é a frase correspondente em (3), a qual inclui o particípio de um verbo transitivo.
Pelo contrário, os intransitivos como tossir (chamados inergativos) não são compatíveis com a construção participial:
(5) *tossido o bebé, todos se preocuparam.
Apesar de os particípios dos verbos inacusativos não aceitarem a passiva sintáctica (*«fui crescido», *«fui desmaiado»; * significa que a sequência é agramatical), confirmando a classificação de intransitivos, acontece que revelam em contrapartida compatibilidade com estar, numa construção que se designa passiva adjectival (são gramaticais «está crescido», «está desmaiado». Maria Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, págs. 522 e ss.), explicam que esta construção tem um sentido específico:
«Do ponto de vista interpretativo, enquanto as passivas sintácticas focalizam a transição sofrida pelo argumento com o papel temático interno directo, as passivas adjectivais focalizam o estado resultante da transição sofrida. Esta interpretação aspectual das passivas adjectivais está plausivelmente na origem de restrições sobre os verbos a partir dos quais podem ser derivados os adjectivos que nelas ocorrem.»
Note-se que esta passiva envolve questões de morfologia, porque podemos considerar estes particípios como adjectivos derivados, o que poderá significar que já não estamos a tratar de um verbo, mas de palavras com comportamentos diferentes. Mesmo assim, assumamos que existe um núcleo constante de significação num conjunto de palavras relacionadas por processos de derivação. Assim, constata-se que o particípio de parar aceita a construção passiva adjectival, como se fosse o particípio de um verbo inacusativo: «estou parado». O particípio de parar tem, pois, determinadas propriedades que são compatíveis com o verbo estar, numa construção de valor resultativo: é que o resultado do evento de parar é estar parado. E este particípio parece aceitar melhor o verbo estar do que ser. Daí – talvez – a estranheza que provoca «fui parado».
N. E. – Com a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo parar – que, ao abrigo da norma ortografia anterior (Acordo Ortográfico de 1945), se escrevia pára – passa a ter a grafia para, tornando-se assim homógrafa (mas não homófona, porque não tem a mesma pronúncia) da preposição para.