Na frase em referência — «O presidente acusa o recebimento da seguinte preposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).» — é possível substituir «para a qual» por «da qual», mas não creio que tal se imponha, porque:
— não é obrigatório que o complemento de relator se realize, se este puder estar subentendido contextualmente;
— «para qual» forma uma estrutura relativa cujo antecedente é proposição ( e não "preposição") e que é complemento preposicional de designar.
Note que o referido verbo selecciona, além de um objecto directo, um complemento preposicional referente a cargo, posto, processo ou situação:
(1) O empresário contactou a empresa para a qual designou o novo gestor
(2) O gabinete adiou as provas para as quais designou novos examinadores.
Vemos, portanto, que designar e relator têm ambos complementos preposicionados, o que acarreta a opção pela realização completa da grelha argumental de apenas uma das palavras, já que a estrutura relativa não pode ser instanciada simultaneamente por complementos pertencentes a constituintes com funções sintácticas diferentes:
«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, *para a qual da qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»1
Mas a análise da frase justifica mais dois comentários.
1. Acusar recebimento
Muitos gramáticos normativos, quer em Portugal quer no Brasil, condenaram a expressão «acusar recepção» ou «acusar recebimento», por se tratar de galicismo. Disso nos adverte o Dicionário Houaiss, ao assinalar que os puristas rejeitam esta construção, recomendando em alternativa revelar, manifestar; também Rodrigo de Sá Nogueira, no Dicionário de Erros de Linguagem (Lisboa, Clássica Editora) e Vasco Botelho do Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português) não a aceitam. E realmente trata-se de um galicismo, accuser réception, adaptado à fonética e à morfologia portuguesas.
A minha opinião é a seguinte: «acusar recepção/recebimento» já não é uma incorre{#c|}ção, porque entrou pela força do uso nas fórmulas típicas da prosa administrativa e comercial. Além disso, passados os tempos de grandeza da língua francesa, os galicismos em português são, para mim, menos um sinal de perigo do que testemunho de uma época e de uma cultura de que participaram os falantes de português. Mas, para quem não concorde com este ponto de vista, deixo uma sugestão mais vernácula que os mais ciosos da pureza do idioma poderão usar: «O presidente declara ter recebido a seguinte preposição...»
2. Preposição vs proposição2
A palavra adequada ao contexto é proposição e não preposição.
No Brasil, um projecto de lei inclui-se no que se define como proposição, conforme se lê no glossário do Portal da Câmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/glossario/p.html):
«Proposição
Toda matéria sujeita a deliberação da Câmara dos Deputados.
Considera-se proposição a Proposta de Emenda à Constituição, projeto de lei, emenda, indicação, requerimento (proposição), recurso (proposição), parecer e Proposta de Fiscalização e Controle. [...]»
É de assinalar, porém, que o Dicionário Houaiss atribui a preposição, além dos significados de «acto de pôr antes», «estado de ser posto antes» e «palavra gramatical invariável», o de:
«contrato verbal ou, menos comumente, escrito, pelo qual um mandante ou proponente constitui outrem — o mandatário ou preposto — como seu subordinado e auxiliar direto, para que este, mediante uma remuneração, realize, em nome, por conta e sob a dependência do preponente, negócios relativos às atividades profissionais deste. Ex.: preposição civil, preposição comercial.»
Preposição é, pois, termo jurídico, mas não é compatível com os trâmites da actividade legislativa evocados pela frase em análise
1 Poderia recorrer-se a uma estrutura de coordenação, ainda que com restrições:
(i) ?«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, *para a qual e da qual designou o relator citado entre parênteses: [...]»
Note-se que tais restrições se prendem, mais uma vez, com o facto de as estruturas de relativização realizarem complementos de dois constituintes diferentes da mesma oração relativa. A frase (i) melhora se a estrutura de relativização for preenchida por complementos e modificadores (adjuntos) do do mesmo constituinte; por exemplo:
(ii) «O presidente assinou o seguinte diploma, no qual e pelo qual designa Carlos Feitosa como relator de uma proposição: [...]»
2 Este comentário surge na sequência da seguinte dúvida, enviada por Valter da Silva Pinto (Mogi das Cruzes, Brasil):
«[...] não obstante ser um leigo em gramática, gostaria de tecer um comentário sobre a resposta de 16/12/2008 com o seguinte título: "O presidente acusa o recebimento...", no qual o consulente cita o projeto de lei n.º 489. Nesse caso, em vez de dizermos "preposição", o correto não seria "proposição", no sentido de se propor o tal projeto?»