DÚVIDAS

Sobre as regências do substantivo relator e do verbo designar

Há tempos encaminhei uma questão relativa à regência da palavra relator. Nesta oportunidade, desejo retomá-la, em forma diversa. Vejam-se as seguinte frases: «O presidente designou o deputado Carlos Feitosa relator do Projeto de Lei n.º 489.» «O presidente considerou o deputado Carlos Feitosa especialista na matéria.»

Não cabe discutir que, assim como a palavra especialista rege em, a palavra relator rege de. Por isso, volto a questionar a correção da frase:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»

Se for substituída a palavra relator pela palavra especialista, com as devidas modificações na estrutura da frase, ter-se-ia:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para (?) a qual considerou especialista o deputado Carlos Feitosa.»

A meu ver, na frase correta deverá constar «na qual», pois a regência assim o exige. O mesmo se poderia dizer da frase com a palavra relator, pois esta rege de, e não para.

Gostaria de uma opinião, que desde já agradeço.

Resposta

Não discordo de que a observância das regências associadas às palavras relator e especialista é um comportamento linguístico correcto. Mas também não concordo com a rejeição da construção relativa introduzida por para, porque a questão não reside só na regência desses substantivos; relaciona-se também com a sintaxe de verbos que apresentam comportamentos sintáctivos diferentes.

Observem-se mais uma vez as frases em questão:

(1) «O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»

(2) «O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, para a qual considerou especialista o Deputado Carlos Feitosa.»

As frases que o consulente usa em analogia para legitimar a sua análise não têm exactamente a  mesma estrutura sintáctico-semântica, porque designar não se comporta como considerar.

Em 1, a palavra relator é complemento do verbo designar, que, à semelhança, de nomear, admite complemento opcional referente à finalidade do acto de designação ou nomeação. É o que nos mostram exemplos retirados do Dicionário Houaiss:1

(3) «Nomeou o primeiro colocado no concurso para o cargo.»

(4) «Designe o local e a hora para o encontro.»2

Ora, não é bem isto que acontece com considerar, pelo menos, quando significa «achar», «ver como»

(5) ?«Considerou o deputado Carlos Feitosa (como) especialista para a proposição.»

A frase 5 torna-se, contudo, aceitável, se considerar for empregado na acepção de «ter em conta»,  sendo a frase interpretável como uma elipse de «Considerou especialista o deputado Carlos Feitosa para tratar da proposição.»

Repito, aceito as estruturas que decorrem das regências dos substantivos relator e especialista, mas chamo a tenção para o facto de os verbos das orações em que ocorrem poderem também impor a sua própria sintaxe.

1 O Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft, confirma esta possibilidade, quando indica o seguinte: «Designá-lo (para...). Nomear, escolher (para cargo, emprego): o governador nomeou um secretário para representá-lo. Designou-o para a função de assessor [...].»

2 A frase é ambígua, porque «para o cargo» tanto pode modificar «Nomeou o primeiro colocado no concurso» como «no concurso». De qualquer modo, ambas as leituras decorrem de estruturas correctas.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa