DÚVIDAS

O plural de pára e de pêra (grafia de 45)

Agradeço a vossa resposta a uma pergunta que fiz há poucos dias, relativamente à grafia do plural de pára (pára-quedista), segundo o antigo AO. Mas, agora, fico sem perceber por que razão é que, se o plural de pára é páras, o de pêra é (como confirmei no Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora) peras, e não pêras.

Julgo que pêra tem acento devido à existência do termo arcaico pera; e pára, por haver para. Dado nem pera nem para terem (como é óbvio) formas plurais (ao contrário de pelo, motivo por que o plural de pêlo é pêlos), não entendo a diferença na formação dos plurais de pêra e pára.

Poderão explicar-me, por favor?

(Repito que a pergunta se refere às grafias segundo o antigo AO.)

Resposta

A explicação que o consulente dá (muito bem) para a existência do acento circunflexo, na ortografia antes do AO 90, no termo que designa o fruto da pereira, pêra — para se distinguir da preposição arcaica pera — aponta para a resposta da perda desse acento gráfico no nome do fruto na forma plural: peras (mantendo a pronúncia do ê, conforme nos indica o Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, 1966).

De facto, como a preposição pera (como qualquer outra) se mantém invariável, não existindo a forma plural, deixa de haver razão para a manutenção distintiva do acento no substantivo no plural peras, pois não há outra palavra de igual grafia. Este foi, decerto, um fator decisivo para a eliminação do acento circunflexo na forma singular dessa palavra do Acordo Ortográfico de 90.

Ora, este caso é diferente do de pára/páras da grafia anterior ao AO, que determinava o uso do acento gráfico (distintivo) da forma verbal, de modo a representar a pronúncia diferenciada da da preposição para. Cunha e Cintra assinalam esse caso como um dos vocábulos que «recebem acento agudo [porque] estão em homografia com outros» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 73). Como se trata da forma abreviada da palavra composta pára-quedista (em que o primeiro elemento é a forma verbal do verbo parar), o que levou a que se tenha tornado num nome/substantivo, o vocábulo pára mantém a forma original. Portanto, como substantivo que é, segue a regra da formação de plural «de um pequeno número de oxítonos [palavras agudas, obrigatoriamente com acento gáfico na última sílaba] e de todos os paroxítonos [palavras graves, acentuadas ou não graficamente] que acrescentam simplesmente um -s à forma singular» (idem, p. 182), tal como júri/júris, álbum/álbuns, órgão/órgãos.

Poder-se-á, então, colocar a questão apresentada pelo consulente. Então, por que razão se manteve o acento gráfico em páras e se eliminou em peras? Decerto porque a forma abreviada substantiva páras não se encontrava prevista, porque a flexão das formas verbais não se faz do mesmo modo que a dos substantivos. O plural da forma verbal pára (3.ª pes. sing. pres. ind.) é param (3.ª pes. pl. pres. ind.). Este é um caso de exceção, em que se têm de aplicar as regras de acordo com as alterações que sofreu.

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