O aspecto é uma categoria gramatical que corresponde a diferentes maneiras de ver a estrutura interna de uma acção a partir de um dado ponto de referência (ver Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário – TLEBS, recentemente adoptada em Portugal). Embora mais visível nos verbos, esta categoria surge também associada a perífrases verbais (construção de verbo auxiliar e verbo principal, p. ex., ir + passear em «vou passear») e a advérbios e locuções adverbiais (p. ex., «durante dez minutos», «de manhã», «há bocado»).
Assim, fala-se do valor aspectual que participa do sentido do próprio verbo – trata-se do aspecto lexical. Diz-se, por exemplo, que o valor aspectual de um verbo como nadar é o de constituir um actividade:
O valor de chegar corresponde a um evento:
Nas formas da flexão, um conhecido contraste é o que existe entre acção conclusa e acção inconclusa (ver Evanildo Bechara, Nova Gramática Portuguesa, pág. 212), noções que são expressas respectivamente pelo pretérito perfeito do indicativo e pelo pretérito imperfeito do indicativo:
(4) Quando entrei, a Maria lia.
Em (3), marca-se o acto de ler como um todo completo, anterior a um ponto de referência (que é o momento da enunciação, isto é, o momento em que se fala). Já em (4), encara-se a acção no seu desenvolvimento sem definir uma conclusão. Estes valores semânticos opostos são valores aspectuais básicos ou gerais e são conhecidos por perfectivo e imperfectivo [ver “aspecto gramatical” in TLEBS].
Estes valores entram já no âmbito do aspecto gramatical, dado que permitem perspectivar a situação que é descrita pela frase (ou, neste caso, para sermos mais rigorosos, o enunciado). Para isso, deve-se ter em conta que esta categoria abrange ainda o uso de certas perífrases verbais e locuções adverbiais:
(6) A Maria chegou às duas horas.
Em (5), temos uma perífrase constituída pelo verbo auxiliar aspectual estar e por um verbo principal (no caso, ler), os quais se associam para exprimir o aspecto imperfectivo e, mais especificamente, o aspecto durativo. Em (6), observa-se que a locução adverbial «às duas horas» se associa à forma verbal leu, construindo assim um valor aspectual perfectivo e, mais especificamente, um valor aspectual pontual.
São várias as propostas de classificação dos valores aspectuais (ver Bechara, Nova Gramática Portuguesa, págs. 213-220; Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, págs. 380-382). A da TLEBS é a seguinte (domínio «Semântica Frásica»; os exemplos seleccionados foram adaptados):
– Eventos instantâneos; p. ex.: nascer, morrer, chegar.
– Eventos prolongados; p. ex.: almoçar («em meia hora»), pintar («uma tela»).
– Actividades; p. ex.: correr, nadar, ler.
– Estados; p. ex.: ser simpático, saber línguas, estar em casa.
– Perfectivo: cf. exemplo (3).
– Imperfectivo: cf. exemplos (4).
– Genérico (pluralidade infinita de situações): «O homem é mortal».
– Habitual (pluralidade infinita de situações durante um período ilimitado): «O João joga futebol aos domingos».
– Iterativo (pluralidade de situações eventivas que se repetem regularmente durante um certo período): «No ano passado, o João foi ao cinema todas as semanas» (período delimitado); «O João tem ido ao cinema» (período não delimitado).
– Pontual (situação sem qualquer duração; pode identificar-se com um evento instantâneo): «A Maria chegou às duas horas».
- Durativo (tempo associado a uma situação, estende-se por um certo período de tempo): «O João vai ler um romance esta tarde».
Qual é então a importância do aspecto? Para o rigor da descrição linguística, para o ensino da língua portuguesa, ela é enorme, como espero ter demonstrado.