Considero que os dicionários portugueses devem ser utilizados no Brasil — não sei é se isso é prática efectiva ou aceite. Mas também me parece que o problema levantado pelo consulente não pode ser totalmente resolvido ou orientado por um acordo ortográfico. É verdade que existe facultatividade entre patrimônio e património, e esta é uma questão gráfica correspondente a aceitar a variação relacionada com certas diferenças entre o português do Brasil (PB) e o português europeu (PE) a respeito da pronúncia das vogais seguidas de consoante nasal. Contudo, o outro aspecto focado, relativo a diferenças lexicais e semânticas, não se encontra codificado em nenhum acordo de uso vocabular. Quero dizer que, neste domínio, embora a norma não esteja explícita, o critério a seguir é o da coerência dialectal de termos e construções: a ocorrência de um termo característico do PB ou do PE verifica-se sempre ao lado das outras marcas da respectiva variedade. Assim, dizer «Eu vi dois moleques. Mas o meu irmão afirma que viu três rapazes» releva mais de um jogo metalinguístico que foca precisamente a existência de termos diferentes para uma mesma realidade como manifestação da diversidade de normas no mesmo sistema linguístico.
Seja como for, em relação ao ensino formal da língua materna, parece não se dar atenção às especificidades das variedades maternas do português falado pelos alunos. Mas, ainda que tal aconteça, admito que a cada país de língua portuguesa, sobretudo nos que têm tradições normativas próprias, como o Brasil e Portugal, seja difícil aceitar usos não conformes aos respectivos padrões linguísticos no contexto do sistema de ensino, sobretudo em situação de exames. Talvez uma maior consciência da diversidade de normas no sistema linguístico do português possa ser o princípio da criação de parâmetros de correcção transnormativos.