Respondo ponto por ponto às suas perguntas. Aproveito para esclarecer dúvidas noutros consulentes e para sublinhar algumas das minhas posições sobre o novo acordo ortográfico (AO):
1. Em muitas palavras não há alterações. Na secção «Linguística > Problemas ortográficos de www.dsilvasfilho.com pode verificar-se que a grafia da quase generalidade das palavras actuais não muda mesmo nada.
Só algumas palavras mudam. Por exemplo, não vamos continuar a poder escrever acção, óptimo, etc.; os brasileiros não vão poder continuar a escrever: idéia, freqüente, etc. Sublinha-se que estas palavras que mudam são de uso frequente, mas que não aparecem em quantidade num texto corrente.
2. O acordo foi necessário para oficializar as variantes da lusofonia numa língua universal e depois conseguir cedências para reduzir as diferenças ao mínimo.
3. As duplas grafias existem só nos casos em que há variantes diferentes em uso nos países. Nós dizemos e escrevemos facto, logo tem de haver uma variante para os brasileiros, que dizem e escrevem fato, com o mesmo significado.
4. Nalguns casos, concordo consigo. Corrector (de corrigir) não deveria perder o c para não se confundir com corretor («intermediário»); óptica («visão») não deve perder o p para não se confundir com ótica («audição»). A ideia dos autores da norma foi estabelecer uma regra geral, atendendo a que temos também diversos homógrafos heterofónicos, com significados diferentes: ex.: colher (substantivo) e colher (verbo), etc.
5. O contexto desfaz a dúvida. Quanto a pára/para, dado que as palavras são de uso muito frequente num texto, penso que os legisladores poderiam ter deixado à opção, como fizeram com fôrma/forma e pôr/por.
6. Questão geral, relacionada com as anteriores 4 e 5.
7. Olhe que já não se pronuncia o p de Egipto, por isso se escreverá Egito, embora se pronuncie em egípcio, e assim se escreverá (não "egícios", como afirma). A norma aceita tal tipo de incongruências gráficas para harmonizar a congruência fonética.
8. Presentemente temos duas línguas portuguesas, com normas diferentes oficiais: a de Portugal e a do Brasil. O espírito do novo AO foi termos um dicionário comum, que incluísse todas as variantes da lusofonia, como têm a língua inglesa, a francesa e a espanhola, sem necessidade de haver mais que um texto em língua portuguesa nas instâncias internacionais. Esse será o objectivo final do Acordo de 1990. De facto, transcreve-se o parágrafo final do 4.4 no Anexo II do Acordo de 1990: «Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.»
Ora, já existe um vocabulário para o novo AO destinado às variantes brasileiras (o VOLP brasileiro) e outro às variantes portuguesas, comercial (o VOLP da Porto Editora). Aguarda-se um vocabulário que seja oficializado como lei na língua em Portugal (ver 9). Só depois se poderá avançar para o dicionário comum, com a colaboração dos restantes países signatários do Acordo de 1990.
Quanto ao fa{#c|}to de o Brasil estar tão empenhado em conseguir «uma língua portuguesa comum», não percebo por que razão alguns portugueses se sentem tão ofendidos: um pai sente-se ofendido quando um seu filho lhe prestigia o apelido?
É oportuno sublinhar que o texto do Acordo de 1990 é já uma língua comum, pois aparece sempre com duplas grafias quando elas existem (ex.: topónimos/topônimos, enquanto o VOLP brasileiro para o novo AO regista só topônimo e o português já publicado regista só topónimo). Este facto levanta duas questões muito relevantes que parecem estar esquecidas entre os responsáveis pela elaboração de vocabulários para o novo AO:
Primeiro. O Acordo de 1990 é um documento de compromisso obrigatório: alterar os termos taxativamente nele registados é faltar à ética do compromisso feito entre os países que o assinaram e um princípio de desunião. Só um novo acordo o deveria fazer. A palavra do VOLP brasileiro coerdeiro (está co-herdeiro no texto do novo AO) e o composto cor de rosa do VOLP português já publicado (está cor-de-rosa no texto desse Acordo) são ilegítimos. A desunião é flagrante no facto de que os citados VOLP trocam os termos: cor-de-rosa é legal no Brasil, co-herdeiro é legal em Portugal. No egocentrismo da originalidade nacionalista, perdeu-se o espírito do Acordo.
Segundo. Como documento já comum, todos os termos do texto do novo AO passam automaticamente a ser legais no país que puser o Acordo em vigor; ou seja, para Portugal, por exemplo: cacto, concepção, peremptório, recepção, embora as respectivas consoantes sejam mudas nas variantes recomendadas para Portugal. E mais palavras nestas condições existem no texto do Acordo. E muitas outras aparecerão quando houver um dicionário comum. A imposição fonética taxativa imediata pode ser uma violência desnecessária. A implantação do novo AO tem de ser feita com discernimento. Para isso, temos a moratória (ainda de cerca de cinco anos), em que as duas grafias podem coabitar).
Pede-se bom senso. De quem faz os vocabulários e de quem aplica o novo acordo.
9. Ciberdúvidas publica todas as opiniões sobre o novo AO. Cada consultor tem a sua. Eu sou a favor do AO; mas não concordo com pressas sem bases, imponderadas, descurando a protecção do nosso precioso património linguístico.
Sem contrariar o texto do Acordo como princípio, penso também que podemos sugerir variantes (não impô-las em exclusivo) que sejam importantes para o português europeu, esquecidas ou não mencionadas no projecto para o Acordo de 1990.
Combati a ideia de Portugal pôr já o novo AO em vigor neste mês, porque nos faltava um documento oficial de apoio (o VOLP da Porto Editora é comercial). Estão iminentes de publicação os VOLP para o novo AO da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) e do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC). Continuo, no entanto, a pensar que ainda não é oportuno pôr o novo AO em vigor tão depressa. A acção deveria ser feita em concertação com as escolas.
O que acontece é que a maioria dos países signatários está preparada para avançar, e o Brasil já tem há um ano o Acordo em vigor. Não será possível Portugal manter-se isolado na lusofonia durante todo o tempo da moratória, até por questões económicas nas editoras. Pode ver-se na contingência de pôr o Acordo em vigor a breve prazo. Então, contrariamente às boas práticas pedagógicas, as escolas poderão ficar a ensinar no passado, quando a sua missão é ensinar para o futuro que os formandos irão viver. Assim, parece-me de boa política iniciar já no próximo ano lectivo a formação do novo AO nas disciplinas de língua portuguesa, haja ou não manuais adaptados (há textos de apoio suficientes já publicados). Uma reunião do Ministério com as editoras e uma concertação com o Governo permite que a acção seja bem ponderada.
10. Não entro em querelas pró ou contra a autoridade na língua da ACL; a verdade é que ainda não lhe foi retirada essa autoridade. No passado, fez um trabalho excelente, meritório. Agora, aguarda-se o seu vocabulário.
Lembra-se que a publicação já existente do VOLP brasileiro e a sua entrada em vigor implicaram que sejamos obrigados a acompanhar o Brasil e trouxeram condicionantes ao vocabulário português destinado ao novo AO, para que a união na língua seja respeitada.
Aliás, o VOLP brasileiro usou de prudência, para evitar grandes discrepâncias com o vocabulário português quando este fosse elaborado. Assim, usou os seguintes critérios: respeito pelo texto do acordo (o que fez na generalidade); coerência (com que justificou o coerdeiro); simplificação e atender à tradição. Ora, este conceito de tradição não se pode de maneira nenhuma considerar indefinido: do meu ponto de vista, entende-se por respeito da história das palavras, só se mudando o que for indispensável; isto para evitar que a comunicação escrita entre gerações fique subitamente muito afectada com a mudança.
Confia-se que um vocabulário que faça lei na língua no português europeu respeite a índole da língua (discordo frontalmente das letras iniciais contra natura st e sc, subserviência ao inglês); e siga agora critérios semelhantes aos do VOLP brasileiro, para que um dicionário comum seja mais facilmente realizável.
Espera-se, também, que na altura dos estudos para o vocabulário comum seja possível melhorar o Acordo de 1990. Em vinte anos, a linguística não ficou parada. Nessa altura, talvez seja possível, por exemplo, sistematizar ainda mais as regras do hífen (não arbitrariamente anulá-lo, mas usar o hífen com mais discernimento, nos casos bem caracterizados em que é efectivamente útil, por exemplo, em vez de, contra a tradição, o eliminar no típico cor-de-rosa, justificável porque há rosas de várias cores, também o usar no típico cor-de-vinho para o vinho tinto, porque também há outros tons).