A sua mensagem deu-me muito prazer. É uma lição de amor juvenil pela língua lusa. Conforto para os governantes portugueses que também a estimam, vergonha para alguns políticos mais interessados em questiúnculas ideológicas ou partidárias que nos valores nacionais.
Vou responder em pormenor às suas dúvidas:
1 — O novo Acordo Ortográfico (AO) abre efe{#c|}tivamente espaço para que seja possível cada um usar a variante da língua portuguesa que entender; mas só quando essa variante for legítima em toda a lusofonia.
Repare que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da sua ilustre Academia Brasileira de Letras (ABL), referente ao português do Brasil (PB), não contempla muitas variantes usuais em Portugal, como os nossos: húmido e família, comummente, connosco, as proparoxítonas com tónica ém/én, óm/én, etc., etc. A grafia oficial do Brasil é a que está no VOLP PB: úmido e família, conosco, êm/ên, ôm/ôn nas proparoxítonas.
Da mesma maneira, quando for publicado o nosso VOLP para o português europeu (PE), ficará claro que em Portugal temos variantes que nos são próprias.
Em resumo, o novo AO pretende unir a língua, mas ainda está longe do seu objectivo. Aponta o caminho com as duplas grafias, e unificação nalgumas palavras, mas essa unificação só será realizável com um dicionário comum que contenha todas as variantes ou elimine algumas diferenças injustificadas. Quando esse documento comum existir, então, sim, a língua é oficialmente a mesma. Depois poderá escrever acadêmico ou académico, pois os vocábulos estarão ambos legitimados em documentos oficiais de cada país.
O problema é que não basta, depois de Portugal ter o seu VOLP PE, que se faça uma obra contendo tudo o que aparece no VOLP PB e no VOLP PE, para que possamos ter o dicionário do português universal. Como já escrevi em anterior artigo, o Acordo de 1990 envolve todos os países de língua oficial portuguesa, e a língua universal não pode fixar-se só com as variantes de Portugal e do Brasil. É preciso haver uma comissão de especialistas de todos os países da lusofonia para se estabelecer finalmente quais são os termos da língua considerada comum. Espera-se que sob a égide da CPLP, que já se mostrou empenhada nesse obje{#c|}tivo, se consiga a língua comum por todos almejada.
2 — O massacre na grafia do PE não é assim tão significativo como parece à primeira vista. Aliás, a grafia do PB também foi muito alterada com o novo AO, neste projecto de unidade. E mais serão ambas, provavelmente no futuro, para reduzir as duplas grafias e simplificar a língua, ainda muito confusa nalguns casos.
3 — Não é provável que algum dia possa voltar a escrever legalmente óptimo, depois de a grafia de 1945 ser extinta em Portugal (quando acabar aqui a moratória).
4 — Quanto a afecto, levanta-se um problema que se relaciona com 1. No novo AO cai o c em Portugal, mas a variante com c é legal no Brasil, pois aparece registada no VOLP PB (afeto/afecto). Ora se não há a certeza de num dicionário comum cair a variante com o c também no Brasil nesta palavra, já, por exemplo, em concepção, de certeza que o p se mantém no PB, pois não apresenta a outra alternativa, não obstante passar a ser conceção no PE. Há mais uma série de palavras nas quais o VOLP PB regista, na sequência, a consoante que é muda em Portugal e, por isso, a vai perder no VOLP PE (ex.: acepção, afecto, apopléctico, céptico, coarctar, concepção, contracepção, epiléptico, espectro, excepcional, infecção, interceptar, percepção, prospectivo, recepção etc., etc.).
Então, o senso comum pergunta: É aceitável ser-nos recomendado agora em Portugal não usar as consoante mudas nestas palavras, se vamos ser autorizados a usá-las de pleno direito quando houver uma grafia universal válida, objectivo do acordo de 1990? A conclusão lógica é que estas formas não devem aparecer agora num VOLP PE só como variantes brasileiras, mas já como variantes também portuguesas.
Este raciocínio figura num longo estudo que fiz sobre a adaptação do Acordo de 1990 ao PE. Estudo que se destinava a ser ponderado nas decisões finais sobre o VOLP PE, mas sem a pretensão de constituir lei na língua.
É oportuno neste tópico, embora sem interesse para si, eu fazer o seguinte desabafo:
Não entendo a pressa que tem havido agora em Portugal, da parte dos responsáveis, em pôr o novo AO em vigor, pois foi estabelecida uma moratória de 6 anos. Essa moratória penso que se destinava não só à adaptação do público à nova grafia, mas que havia o sentimento de ela ser necessária para estabelecer as bases necessárias para a implantação do Acordo, já que ficámos imóveis na língua nestes 20 anos, enquanto o Brasil foi fazendo sucessivos vocabulários actualizados.
O senso comum também aconselha que o novo AO só entre em vigor em Portugal em concertação com as escolas (como fez o Brasil), o que exige tempo para as editoras elaborarem os manuais.
O nosso VOLP PE não pode ser um produto feito à pressa. Deve, inversamente, ter tempo de maturação para ser bem ponderado nas nossas especificidades, com a contribuição de linguistas sensatos. Deve, inclusivamente, considerar que uma comissão de especialistas dos países de língua oficial portuguesa (para elaborar o vocabulário da língua comum) pode aproveitar a oportunidade para corrigir os vários defeitos já assinalados no actual acordo de 1990. Comissão que pode, até, sugerir mais algumas simplificações, nomeadamente nos hífenes, que continuam caóticos em muitos aspectos (depois das modestas recomendações do novo AO, que, nalgumas, trouxe mais obrigatoriedades, talvez desnecessárias).
5 — Voltando à sua questão, presentemente deve seguir as orientações da ABL, não só por ser brasileiro, mas também porque vive nesse país. Só quando houver um dicionário comum aprovado pelo Brasil, no qual estejam as variantes PE que prefere, poderá usar a simpatia que tem pelo PE.
Simpatia que muito nos honra. Todos nós, além das tendências inatas, somos formados pela herança social que nos transmitem. Ora, o que as suas palavras sugerem é que descende de «portugueses dos quatro costados», a quem mando o meu grande abraço luso. Talvez, esses, até, com ancestrais d’«aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando».
Eu andei pelo seu país. E o que trouxe comigo foi reconhecimento e assombro. Reconhecimento por me sentir em casa, assombro porque fiquei com a ideia de que esse mundo de virtualidades ainda um dia terá sempre uma respeitada palavra a dizer sobre todo o planeta.
Também um grande abraço para si. Comovido.