Não foi possível identificar o momento em que perceber passou a significar «compreender, entender» no português de Portugal, uso que se ilustra, por exemplo, com exemplos de Miguel Torga e Júlio Dinis:
1. «Mal apareci em Sendim, intimou-me a comparecer na delegacia, para registar a carta e ser colectado. Tão ignorante que não percebeu o " villaregalensi " do latim. Sem uma palavra de boas-vindas, mesmo hipócrita, deixou-me partir.» (Miguel Torga, A Criação do Mundo)
2. «– Previ essas palavras, prima Madalena; por isso hesitei. Lamento sinceramente ter já perdido no uso do mundo uma tão simpática e adorável boa-fé nos outros, que é a maior prova de candura que se pode dar do próprio carácter.
D. Vitória não percebeu nada deste rápido diálogo; por isso exclamou:
– Mas que estão vocês aí a dizer? De quem falam? Eu, se vos entendo! » (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, 1868)
No entanto, é também possível detetar este uso em escritores brasileiros do século XIX:
3. «Félix sentiu pungir-lhe um remorso, e teve ímpeto de cair aos pés da bela viúva. Murmurou algumas palavras – que ela não percebeu ou não ouviu, até que o menino chamou a atenção de ambos, dizendo:
– Vamos, mamãe?» (Machado de Assis, Ressurreição, 1872)
4. «Clorinda trocou um olhar com o advogado, e este disse-lhe, refestelando-se no divã:
– Ma chère, il faut se contenter de cette habilleuse; nous ne sommes pas en Europe.
Ele impingiu esta frase em francês, para que não a entendesse a costureira, mas a verdade é que Clorinda também não percebeu, o que aliás não a impediu de responder:
– Oui.» (Artur Azevedo, Contos Fora de Moda, 1894)
Estes dados sugerem que, pelo menos, na linguagem literária brasileira do século XIX, perceber também se usava como sinónimo de «compreender, entender».