Numa consulta Google, encontram-se efetivamente em uso as palavras "ginecídio" e "feminicídio", ainda não atestadas nos dicionários*. A primeira é discutível, pois deveria ter antes a forma ginocídio, um híbrido greco-latino, que associa a «forma não canónica» gin(o)-1, do grego gunê, gunaikós, «mulher», ao elemento de composição -cídio, proveniente do latim -cidĭum, «ação de quem mata ou o seu resultado» (cf. gin(o)- e -cídio no Dicionário Houaiss). Observe-se que esta palavra evoca outra, genocídio, também um híbrido, por juntar o radical de origem grega geno- (de génos, eos-ous, «raça, tronco, família», cf. idem) ao referido elemento -cídio, de génese latina.
A forma mencionada em segundo lugar é etimologicamente homogénea quanto aos elementos que participam na sua formação; do ponto de vista tradicional prescritivo, considera-se mais correta2, visto incluir apenas radicais de origem latina: o radical femin- (do lat. femĭna, ae, «fêmea») e o já referido elemento -cídio (idem). A palavra feminicídio segue, portanto o modelo de muitos compostos morfológicos, formados exclusivamente por elementos de origem latina, que encerram a ideia de assassínio e que há mais ou menos tempo se encontram dicionarizados: filicídio, homicídio, infanticídio, matricídio, parricídio (ou patricídio), regicídio, etc (cf. idem) [*].
1 A expressão «forma não canónica» ocorre na própria fonte consultada, o Dicionário Houaiss, que remete a entrada gin(o)- para ginec(o)-, esta classificada como «canónica». Quer gin(o)- quer gineco- ocorrem em palavras originalmente gregas (sequências sublinhadas das seguintes palavras com essa origem): ginandro, «hermafrodita» ; gineceu, «aposento das mulheres», ginecocracia, «governo da mulher» (idem). Também ocorrem em compostos eruditos, de formação mais tardia, formando palavras sinónimas: ginofobia/ginecofobia, «repulsa ou medo doentio à mulher». A par de ginocídio, é, portanto legítima a forma ginecocídio, podendo considerar-se esta até preferível, visto incluir a forma canónica ou regular gineco- (agradeço ao consultor Luciano Eduardo de Oliveira uma chamada de atenção sobre este aspeto).
2 Celso Cunha e Luís F. Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 115) assinalam a reserva com que é tradicionalmente encarado o hibridismo, ou seja, a associação de radicais de origens diferentes (grego+latim ou latim+grego]: «As formações híbridas são em geral condenadas pelos gramáticos, mas existem algumas tão enraizadas no idioma que seria pueril pretender eliminá-las. É o caso das palavras [automóvel e sociologia] e de outras, como: autoclave, bicicleta, bígamo, decímetro, endovenoso, monóculo, monocultura, neolatino, oleografia [...].»
[* N. E. (12/02/2019) – Feminicídio já tem registo nos dicionários em linha da Porto Editora (na Infopédia) e Priberam. Em ambos se aceita também a variante femicídio, mas enquanto a Porto Editora remete esta forma para feminicídio, a que dá primazia, no dicionário da Priberam as variantes têm remissões mútuas, sem definir preferência. Note-se, mesmo assim, que, do ponto de vista etimológico, feminicídio é mais coerente por não truncar o radical de origem latina femin- (cf. A monstruosa atualidade da palavra feminicídio em Portugal, o vocábulo do ano 2018 em Angola e o plágio na Internet). Entretanto, da lista final do segundo parágrafo desta resposta, foi retirada a palavra etnocídio, a qual constitui não um composto morfológico homogéneo, integralmente latino, mas, sim, um híbrido, que associa o radical de origem grega etno- ao elemento latino -cídio.]
Cf. Palavras mediáticas: do “drama familiar” ao “feminicídio”