Neste excerto de A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, verifica-se que o narrador preferiu usar o nome da fragata — «Pérola» — em que D. Miguel regressa a Portugal (talvez porque tal nome represente algo precioso, apropriada ao estatuto do príncipe) em vez de dizer simplesmente «fragata». Trata-se, então, de uma sinédoque, pois há uma relação de inclusão entre os dois termos — «Pérola» e «fragata» —, formando o nome — «Pérola» — parte da fragata, da realidade/do objecto que representa.
Por sua vez, nesse excerto existe, também, a metonímia na utilização de «o Messias» para substituir «D. Miguel», porque o narrador verbaliza dessa forma a devoção que D. Jacinto Galeão nutre pelo príncipe D. Miguel, que o salvou da situação constrangedora em que se encontrava após aquele ter escorregado e desabado no lajedo, situação a partir da qual «aquele gordíssimo e riquíssimo» D. Jacinto passou a considerar o príncipe como o “seu salvador”, referindo-se-lhe como «anjinho» — «a gemer de saudades do anjinho, a tramar o regresso do anjinho» —, tornando-se no «seu Deus».
Ao escolher a palavra «Messias» para designar o príncipe idolatrado pela personagem, o narrador tinha consciência da «função importante dol recurso estilístico ou estético [que estava a usar], porque se presta a destacar aquilo que num determinado contexto é essencial no conceito designado», ou seja, «sobrepondo à designação da realidade descrita uma informação sobre a forma especial em que o falante [a personagem] concebe tal realidade»1 — o estatuto do príncipe D. Miguel tinha ascendido para o campo do sagrado, pois tinha adquirido o grau de «Deus», de «Messias», de anjo.
Assim, com o termo «Messias», o narrador substitui «um termo próprio por uma palavra diferente, sem que a interpretação do texto resulte distinta», usando a metonímia, «a figura de linguagem por meio da qual se coloca uma palavra em lugar de outra cujo significado dá a entender. Ou a figura de estilo que consiste na substituição de um nome por outro em virtude de uma relação semântica extrínseca existente entre ambos». Sobre a metonímia, Cícero (De Oratore, III, XLII) define-a do seguinte modo: «com a intenção de adornar se põe uma palavra “própria” em lugar de outra palavra “própria”» (idem).
Em relação à dúvida apresentada pela consulente «se será sinédoque ou metonímia», importa dizer que tal questão é natural, porque «a sinédoque foi desde quase sempre considerada como espécie de metonímia [e que], hoje em dia, preferimos fazer a distinção entre as figuras respeitantes à metonímia e as respeitantes à sinédoque. […] A diferença está em que, sendo as duas figuras semânticas, que consistem na transferência de significado de uma palavra para a outra, por uma relação de contiguidade, a metonímia o faz por uma contiguidade de tipo espacial, temporal ou causal, e a sinédoque apresenta uma relação de inclusão, isto é, um dos membros é de maior ou menor extensão (ou forma parte do conjunto implícito) do que o outro apresenta» (João David Pinto, «E Expressividade na Fala e na Escrita», in Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1991, pp. 503-504).