DÚVIDAS

É que

Assisti a um programa de televisão em que foi falado sobre a partícula expletiva ou de realce "É QUE". Foi dito, então, que ela é invariável e que estaria presente nas seguintes frases:

1) Eu É QUE fiz.

2) É nessas horas QUE a gente percebe.

Até aí tudo bem. Só que mais tarde me surgiram algumas dúvidas, quando afirmaram que estaria CORRETA a frase "FUI eu QUE fiz" e ERRADA a frase "É eu QUE fiz".

Eis as dúvidas:

1) Por que não existe a partícula "É QUE" na frase "É eu QUE fiz". Por que ela estaria errada? Por que não posso considerá-la como se fosse a frase "Eu É QUE fiz" com a ordem alterada?

2) Por que estaria errada uma frase do tipo "SÃO nessas horas QUE a gente percebe", uma vez que não o está a frase "FUI eu QUE fiz"?

3) Qual é a diferença entre as frases "FUI eu QUE fiz" e "É nessas horas QUE a gente percebe"? Por que numa está presente a partícula invariável "É QUE" e na outra não?

Já havia escrito, várias vezes, para o tal programa e até hoje não obtive resposta direta ou indiretamente. Felizmente descobri o CIBERDÚVIDAS. Agradeço pela atenção sempre certa a este serviço tão importante a todos que falamos a língua de Camões. E são uma boa quantidade de milhões.

Resposta

Vejamos as seguintes frases, em que a primeira é a apresentada pelo nosso consulente:

(1) É eu que fiz.

(2) Fui eu que fiz.

(3) Eu é que fiz.

Na frase (1), não existe nem deixa de existir a expressão de realce é que, porque a frase está errada. Em Portugal, pelo menos, ninguém a diz. Não é, pois, uma frase mas uma não-frase.

Esta não-frase tornar-se-á numa frase, se substituirmos É por Fui, como vemos em (2).

Se substituirmos esta não-frase pela frase (3), teremos também linguagem correcta, e muito corrente, em que empregamos a expressão de realce é que.

Nota. - Peço licença para esclarecer: em é que, não temos, verdadeiramente, uma «partícula» expletiva ou de realce, mas uma «expressão» expletiva ou de realce. A designação de «partícula» significa outra coisa, conforme ensina o «Dicionário de Linguística», 2.ª edição, de Zélio dos Santos Jota: «Vocábulo de reduzido volume fonético e função auxiliar, como os artigos, certos advérbios, algumas palavras denotativas, etc.»

São nessas horas que a gente percebe

Consideremos:

(1) São nessas horas que a gente percebe.

(2) Fui eu que fiz.

À frase (1) e à frase (2) não pertence a mesma sintaxe; por isso, a frase (1) está errada - é uma não-frase. Mas a frase (2) está correcta.

Para que a frase (1) esteja correcta, devemo-la constituir assim, com a expressão de realce é que:

(3) É nessas horas que a gente percebe.

A forma verbal é nada tem que ver com nessas horas; por isso, fica invariável, não substituível por são.

Vejamos agora a diferença entre a sintaxe da frase (1) e da frase (2):

Na frase (1), temos apenas uma oração, porque só fica certa como lemos em (3). O verbo (são) nada tem que ver com «nessas horas», mas sim com que. Eis porque o correcto só pode ser a frase (3).

A frase (2) tem duas orações. A segunda, que fiz, é relativa. O antecedente do pronome relativo que é eu. Por isso mesmo, o verbo desta oração tem de concordar com o pronome em número e pessoa - fiz.

Vemos bem que assim é, se substituirmos o sujeito desta oração (eu) por outro:

(4) Fomos nós que fizemos.

(5) Foram o João e o Pedro que fizeram.

Como vemos, na frase (2) não há expressão de realce. Se houvesse, o sujeito eu ficaria verdadeiramente realçado:

(6) Eu é que fiz.

Ou melhor, com outra pontuação:

(7) Eu é que fiz!

Como às frases (1) e (2) não pertence a mesma sintaxe, não as podemos aproximar neste particular da linguagem.

Fui eu que fiz e é nessas horas que a gente percebe

Vejamos então:

(1) Fui eu que fiz.

(2) É nessas horas que a gente percebe.

Eis a diferença entre estas duas frases:

A frase (1) tem duas orações, como já se disse. A frase (2) tem uma só oração.

Podemos transformar a frase (1) numa frase de uma só oração:

(3) Eu é que fiz.

Na frase (2), há uma só oração, porque nela existe a expressão de realce é que, a qual não vemos na frase (1). Mas podemos transformar a frase (1) numa frase com a referida expressão de realce, como já vimos anteriormente.

Na frase (1), não está presente a expressão de realce é que, porque a pessoa que a construiu, assim o quis. Podia ter optado pela frase (3). O mesmo se dá com a frase (2). A pessoa que a construiu podia ter optado por esta ordem dos elementos, em que é mais visível a presença da expressão de realce:

(4) Nessas horas é que a gente percebe.

Notas. 1.ª - Peço licença para elucidar sobre o seguinte: não se considera bom português «em que foi falado», como lemos no início da consulta. Digamos «em que se falou».

2.ª - Se alguma dúvida persistir, o «Ciberdúvidas» está ao dispor do nosso prezado consulente.

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