Vejamos as seguintes frases, em que a primeira é a apresentada pelo nosso consulente:
(1) É eu que fiz.
(2) Fui eu que fiz.
(3) Eu é que fiz.
Na frase (1), não existe nem deixa de existir a expressão de realce é que, porque a frase está errada. Em Portugal, pelo menos, ninguém a diz. Não é, pois, uma frase mas uma não-frase.
Esta não-frase tornar-se-á numa frase, se substituirmos É por Fui, como vemos em (2).
Se substituirmos esta não-frase pela frase (3), teremos também linguagem correcta, e muito corrente, em que empregamos a expressão de realce é que.
Nota. - Peço licença para esclarecer: em é que, não temos, verdadeiramente, uma «partícula» expletiva ou de realce, mas uma «expressão» expletiva ou de realce. A designação de «partícula» significa outra coisa, conforme ensina o «Dicionário de Linguística», 2.ª edição, de Zélio dos Santos Jota: «Vocábulo de reduzido volume fonético e função auxiliar, como os artigos, certos advérbios, algumas palavras denotativas, etc.»
São nessas horas que a gente percebe
Consideremos:
(1) São nessas horas que a gente percebe.
(2) Fui eu que fiz.
À frase (1) e à frase (2) não pertence a mesma sintaxe; por isso, a frase (1) está errada - é uma não-frase. Mas a frase (2) está correcta.
Para que a frase (1) esteja correcta, devemo-la constituir assim, com a expressão de realce é que:
(3) É nessas horas que a gente percebe.
A forma verbal é nada tem que ver com nessas horas; por isso, fica invariável, não substituível por são.
Vejamos agora a diferença entre a sintaxe da frase (1) e da frase (2):
Na frase (1), temos apenas uma oração, porque só fica certa como lemos em (3). O verbo (são) nada tem que ver com «nessas horas», mas sim com que. Eis porque o correcto só pode ser a frase (3).
A frase (2) tem duas orações. A segunda, que fiz, é relativa. O antecedente do pronome relativo que é eu. Por isso mesmo, o verbo desta oração tem de concordar com o pronome em número e pessoa - fiz.
Vemos bem que assim é, se substituirmos o sujeito desta oração (eu) por outro:
(4) Fomos nós que fizemos.
(5) Foram o João e o Pedro que fizeram.
Como vemos, na frase (2) não há expressão de realce. Se houvesse, o sujeito eu ficaria verdadeiramente realçado:
(6) Eu é que fiz.
Ou melhor, com outra pontuação:
(7) Eu é que fiz!
Como às frases (1) e (2) não pertence a mesma sintaxe, não as podemos aproximar neste particular da linguagem.
Fui eu que fiz e é nessas horas que a gente percebe
Vejamos então:
(1) Fui eu que fiz.
(2) É nessas horas que a gente percebe.
Eis a diferença entre estas duas frases:
A frase (1) tem duas orações, como já se disse. A frase (2) tem uma só oração.
Podemos transformar a frase (1) numa frase de uma só oração:
(3) Eu é que fiz.
Na frase (2), há uma só oração, porque nela existe a expressão de realce é que, a qual não vemos na frase (1). Mas podemos transformar a frase (1) numa frase com a referida expressão de realce, como já vimos anteriormente.
Na frase (1), não está presente a expressão de realce é que, porque a pessoa que a construiu, assim o quis. Podia ter optado pela frase (3). O mesmo se dá com a frase (2). A pessoa que a construiu podia ter optado por esta ordem dos elementos, em que é mais visível a presença da expressão de realce:
(4) Nessas horas é que a gente percebe.
Notas. 1.ª - Peço licença para elucidar sobre o seguinte: não se considera bom português «em que foi falado», como lemos no início da consulta. Digamos «em que se falou».
2.ª - Se alguma dúvida persistir, o «Ciberdúvidas» está ao dispor do nosso prezado consulente.