Melhor que criar uma lista infindável e sempre incompleta de termos que tenham como segundo elemento de composição -cultura e -cultor é definir uma regra ou um modelo para a formação de tais termos. Se analisarmos a palavra agricultura, vemos que esta já era um composto em latim, constituído pelo elemento agri-, do substantivo latino ‘ager, agri’ («o campo em relação à cidade» e «terreno arável») e -cultura. Este último, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é elemento compositivo pospositivo que surge «em pal[avras] já orig[i]n[almente] latinas, já formadas à sua feição, a partir do Renascimento». Seguindo este modelo latino, é possível formar outras palavras, constituídas por um elemento antepositivo nominal ou adjectival, geralmente de origem latina, o qual designa a espécie vegetal ou animal a que se refere o sentido do segundo elemento, -cultura. O primeiro elemento compositivo apresenta normalmente a vogal de ligação -i-, mas o Dicionário Houaiss adverte que «a vog[al] de lig[ação] gr[ega] -o- se insinua em algumas form[as], com alternância da lat[ina] -i- em bom esforço de regularização fiel ao padrão original, salvo quando o primeiro el[emento] é caracteristicamente gr[ego]: monocultura. Como vemos, consolidaram-se as vogais de ligação i e o, no final dos antepositivos que formam as palavras compostas com o pospositivo –cultura. As formas destes antepositivos são, porém, menos ricas que os nomes e adjectivos latinos e gregos, porque perderam a marca casual de genitivo. Maria Helena Mira Mateus et aliae, na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Edtorial Caminho, 2003, pág. 976), observam: «[...] esta vogal de ligação é um resíduo de um marcador casual na estrutura dos compostos do latim e do grego antigo. [...] Os dados disponíveis mostram que a vogal -i- ocorre sempre que o radical da direita é um radical neoclássico de origem latina[...]». Seria, pois, de esperar que os compostos em que participa o elemento latino -cultura tivessem todos a vogal de ligação -i. Mas não é isso que acontece. Recorde-se que a par de bovinicultura (elemento bovini-, do latim ‘bovinus, bovina, bovinum’), caprinicultura (elemento caprini-, de ‘caprinus, caprina, caprinum’) e ovinicultura (elemento ov(in)-, de ‘ovinus, a, um’), outros técnicos e outros dicionaristas preferem as formas bovinocultura, caprinocultura e ovinocultura. Nestes casos, os antepositivos bovino-, caprino- e ovino- correspondem às formas actuais dos adjectivos masculinos da língua portuguesa. Quando não há termo latino ou grego para designar o que se cultiva ou cria, recorre-se geralmente ao radical da palavra que designa a espécie em português seguido da vogal de ligação -i-; p. ex. banana – bananicultura, bananicultor (cf. Dicionário Houaiss). Quanto ao vocábulo persicocultura, ainda não se encontra dicionarizado, mas tem justificação na etimologia da palavra pêssego que se diz em latim ‘malum persicum’ («maçã pérsica») ou ‘pomum persicum’ («pomo pérsico»). Foi o adjectivo ‘persicum’ que deu lugar ao vocábulo pêssego; por isso, a forma persicultura é adequada. Na sua maioria, as formas apresentadas pelo consultor estão correctas. Há, no entanto, algumas que nos merecem comentário: Alicultura(em vez de “alhicultura”) – existe o elemento ali-, do nome latino ‘allium’; é designativo das plantas do género “Allium” da família das “Aliáceas”. Foi do vocábulo latino “allium” que derivou a palavra alho. Bataticultura – vocábulo possível, mas sem uso, por se integrar no conceito mais amplo de agricultura. Coturnicultura – criação de codornas ou codornizes. Eqüinicultura – ou equinicultura em Portugal. Goiabicultura – «cultura de goiabas», segundo os elementos goiab(a) + i + cultura, de acordo com o modelo banan(a) + i + cultura. Juticultura – de acordo com os elementos jut(a) (vocábulo sânscrito) + i + cultura. Mamocultura e mamonicultura – dado que existe mamão, fruto do mamoeiro, e mamona, fruto da mamoneira (cf. Dicionário Houiass), temos aqui um problema de distinção dos elementos uma vez que partilham o mesmo radical mamon-; a solução proposta pelo consulente parece aceitável, apesar da origem controversa destas designações (cf. idem) Melionicultura – refere-se a uma espécie de abelhas comuns no Brasil (cf. meliponíneos no Dicionário Houaiss). Minhococultura em vez de minhocultura – é preferível a forma Minhococultura registada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Ruticultura – deve-se referir à cultura da planta arruda usada em produtos farmacêuticos. Sevicultura – a palavra ocorre na Internet, sobretudo em páginas de língua espanhola; está associada à florestação e à agricultura, mas ignoramos o seu sentido preciso e desconhecemos a etimologia do elemento sevi-. Quanto aos «termos hipotéticos»: Acerolicultura – contém o elemento acerol(a)-, de raiz castelhana; também se regista azarola, forma portuguesa que corresponde à do vocábulo espanhol “acerola”, ambos de origem árabe, pelo que poderá ser usado o vocábulo azarolicultura. Apoporicultura – se se trata do «cultivo de abóboras», não vemos por que não há-de usar a palavra composta a partir do nome botânico da abóbora, ‘Cucurbita’; sugerimos, pois, cucurbiticultura. Caquicultura – justificável pela utilização do vocábulo japonês “caqui”, que significa «diospiro». Caticultura – vocábulo justificável pela etimologia da raiz latina ‘cattus, catti’, mas desnecessário devido à forma muito corrente felinicultura. Citrulicultura – relativo ao cultivo da melancia, deriva do nome científico deste fruto, ‘Citrullus lanatus’ (cf. Dicionário Houaiss). Coquicultura – é forma possível, uma vez que não se sabe ao certo a etimologia de coco (José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, refere que Piel faz derivar a palavra do latim ‘calcare’). Cucumelicultura – é justificável pelo étimo latino ‘cucumellu-‘; como os cogumelos são fungos, também poderão ser incluídos na fungicultura. Damascicultura em vez de “damasquicultura” – o primeiro elemento está relacionado com a cidade de Damasco, cujo genitivo do singular é ‘Damasci’ em latim. Diospiricultura – como o primeiro elemento do étimo grego ‘Diospyros’, do qual provém o vocábulo português diospiro, a forma diospirocultura é também aceitável. Filanticultura – as groselheiras são plantas que «do gên. Phyllanthus, da fam. das euforbiáceas» (Dicionário Houaiss). Helianticultura – tem justificação na forma do latim científico ‘helianthus’ que deu origem ao vocábulo português helianto. Lacusticultura – tem justificação pelo étimo ‘lacusta’; como o étimo também poderá ser a forma do latim clássico ‘locusta’, logo também será aceitável a forma locusticultura. Pisocultura ou pisicultura em vez de “ervilicultura” – ervilha corresponde ao latim ‘pisu, i’, que, por sua vez, é um empréstimo do grego ‘pisós’ ou ‘pisón’, com o mesmo sentido; a vogal de ligação será em princípio -i- (ver acima), mas -o- também é possível.