Os complementos de verbos como custar, medir, pesar e durar, os quais envolvem uma avaliação ou uma medição, têm um comportamento especial: considera-se que são complementos diretos, mas não substituíveis pelo pronome -o (cf. Textos Relacionados). Noutra perspetiva, a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág. 368/369) classifica esses complementos como oblíquos não preposicionados.
N. E. (2/06/2016) – Recebemos de João de Brito (Vila Real) o seguinte comentário crítico:
«O conteúdo desta resposta é um bom exemplo da leviandade com que o funcionamento da língua é oficialmente tratado. Recorre-se a truques, a muletas, em vez de se ir ao âmago semântico da comunicação. E o resultado é sempre o mesmo: as exceções são mais que muitas e justificam-se a si mesmas ou por si mesmas. É o caso de “…mas não substituíveis pelo pronome –o.” Quanto à figura do complemento oblíquo, já disse o que tinha a dizer em "Sobre os complementos oblíquos e as preposições" (Correio) Refletindo: É notório que os verbos listados na resposta, e haverá outros, não têm a natureza transitiva daqueles que selecionam um complemento direto. Aqui, como por exemplo na matemática, há que desdobrar unidades de sentido. Assim, o verbo custar equivale a «ter o custo de». Ou seja, custar, nas frases em apreço, já incorpora o complemento direto. Donde se conclui que “a função sintática das expressões que se seguem à forma verbal” é a de modificador do complemento direto (antigo complemento determinativo), mais genericamente, ou a de complemento indireto, mais especificamente. Concorde-se ou não com esta reflexão, uma coisa é certa: ao contrário dos truques, das muletas e das exceções das gramáticas tradicionais, ela procura compreender e comunicar o sentido das expressões em análise. Afinal, não é do conhecimento EXPLÍCITO da língua que as gramáticas deveriam tratar?!»
A réplica do autor da resposta:
«Tomei boa nota da proposta de análise de João de Brito, a qual, como outras propostas – incluindo as oficiais –, pode ter ou já terá a sua fundação teórica e a sua operacionalização dentro de certos limites (ainda estão para aparecer modelos de análise infalíveis). Como é sabido, a consideração da semântica e da pragmática na análise sintática é uma necessidade (uma reivindicação, se quisermos) há muito reconhecida nos estudos linguísticos. Na vertente semântica, porém, a dificuldade pode sempre residir na definição das unidades de sentido, tarefa nem sempre frutuosa ou conclusiva, como poderia fazer sonhar uma modelização exclusivamente assente na matemática ou na lógica formal.
Mas, voltando-me para o contexto escolar não universitário e para ser mais concreto a respeito das críticas de João de Brito, direi o seguinte:
1. Não me parece que a dita proposta tenha cabimento nem na análise tradicional nem na que decorre do Dicionário Terminológico (DT). Não nego que se possa supor um fenómeno de incorporação (creio que há teorias que o fazem), mas, nos referidos tipos de análise, não há complementos determinativos nem modificadores do nome sem a materialização lexical do item que os seleciona. Haverá certamente lugar para outras perspetivas (e ainda bem), mas, no contexto do ensino não universitário português, deve ter-se em atenção o enquadramento definido pelo programa e pelos seus instrumentos complementares, entre os quais se conta a terminologia gramatical em vigor - no caso português, o DT. Claro está que esta perceção não dispensa um posicionamento crítico.
2. Mas, pondo por hipótese que a análise tradicional e o DT permitem a dependência entre um núcleo nominal não realizado lexicalmente e um adjunto (ou um complemento, como vou explicar), levanta-se um problema teórico-metódológico: será a construção com verbo-suporte («ter o custo de...») conceptualmente mais básica que o verbo simples (custar)? Ou seja, será que «ter o custo de...», «ter o peso de...» ou «ter a duração de...» são expressões analíticas que marcam a inclusão de noções primitivas subjacentes aos verbos simples correspondentes – custar, pesar, durar? Não falo de peso, mas, sabendo que custo e duração são derivados de, respetivamente, custar e durar, então são os verbos que precedem aqueles nomes e as respetivas construções com verbo-suporte, com a consequência de os constituintes selecionados pelos nomes poderem ser antes analisados como complementos do nome, tal como ocorre com os nomes eventivos deverbais («construir uma casa» → «construção de uma casa»). Os nomes mencionados não têm, portanto, de ser identificados (confundidos) com «unidades de sentido» - estas talvez concebíveis como noções primitivas existentes num plano abstrato lógico-semântico. Os nomes de medida são ou podem ser formados com base nos verbos simples, enquanto as noções mais básicas ou primárias entrarão no plano da predicação marcada globalmente pelos verbos na sintaxe. E, se tais «unidades de sentido» ou noções não têm de ser confundidas com itens lexicais, torna-se muito discutível que sejam acessíveis à observação com instrumentos concebidos para operar sobre a superfície morfossintática: porque há de ser «20 euros» o modificador ou o complemento determinativo de custo na perífrase eventualmente subentendia por "custar"? Porque não será antes a marca de uma predicação («o custo é (de) 20 euros»)? Ou porque não aceitarmos que, para fins didáticos, «20 euros» é complemento direto de custar (Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 418, aceita a pronominalização por -os, embora diga que é pouco frequente)? Porque não, mais tarde, havendo interesse, aprofundar o estudo dos verbos de medida e chegar a outra análise?
3. Muitas perguntas suscita a análise dos verbos de medida, mas basta ter apresentado alguns aspetos problematizantes para considerar que se trata de um caso especial ou marginal, sem truques nem muletas que valham, mesmo que venham da semântica. Tudo isto constitui, portanto, matéria de reflexão, que requer prudência, sem comprometer as necessárias e desejáveis generalizações, onde sejam possíveis (e em muitos domínios são-no de facto), a bem do conhecimento explícito da língua. Longe de mim rejeitar (como poderia?) o papel da semântica no funcionamento das formas linguísticas e até indo ao encontro da sua maior integração na análise sintática, o que refiro em 2 leva-me, portanto, a achar que a proposta de João de Brito não resolve as dificuldades de análise dos verbos de medida.»
N. E. (10/06/2016) – Novas observações de João de Brito sobre a discussão acima:
Não é a polémica que me move. É antes o imperativo de consciência. Por isso, replico: «…deve ter-se em atenção o enquadramento definido pelo programa e pelos seus instrumentos complementares, entre os quais se conta a terminologia gramatical em vigor - no caso português, o DT. Claro está que esta perceção não dispensa um posicionamento crítico.» Eu acrescentaria: um posicionamento crítico consequente. Porque ser professor não é a mesma coisa que ser amanuense. Ser professor deve ser uma busca incessante da clareza, da correção e da funcionalidade, relativamente ao objeto e aos objetivos tratados com os alunos. Isto é especialmente verdade quando o objetivo é o conhecimento explícito da língua, condição estruturante do pensamento. Quando o professor é um simples aplicador de programas e de nomenclaturas, nega-se a si mesmo. E, quando esses programas e essas nomenclaturas são dispersas, incoerentes e inadequadas, então o professor/aplicador torna-se um agente pernicioso. Um exemplo de inadequação: «…será a construção com verbo-suporte («ter o custo de...») conceptualmente mais básica que o verbo simples ("custar")?» Esta questão faz-me lembrar aquela outra muito popular: primeiro é o ovo ou a galinha? Não é disso que se trata. A questão em causa é o conceito da transitividade ou intransitividade do núcleo do predicado (verbo). Para que haja transitividade é necessário que algo se distinga ontologicamente do núcleo do predicado (verbo). Ora, quando se diz que um produto custa vinte euros, este custo não se distingue do núcleo do predicado, mas identifica-se com ele. Como se prova na hipótese: «Porque não será antes a marca de uma predicação («o custo é (de) 20 euros»)?» O que logicamente torna impossível: «Ou porque não aceitarmos que, para fins didáticos, «20 euros» é complemento direto de "custar" (Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 418, aceita a pronominalização por "-os", embora diga que é pouco frequente)?»
O comentário do autor da resposta em causa:
Falar em «imperativos de consciência», arremessando o tom acusatório da palavra amanuense e da expressão «agente pernicioso», para condenar «esses programas e essas nomenclaturas» por «dispersas, incoerentes e inadequadas», deixa muito pouca margem para a comunicação; portanto, também deste lado a consciência aconselha a recusar o anátema mais os juízos que subentende. Quanto à relação da superfície sintática e discursiva com o que é ontológica e logicamente possível e impossível, trata-se de uma discussão bem mais interessante e demorada, que tem sido objeto de propostas devidamente enquadradas e se encontra longe da última palavra. Não estando eu disponível para dar mais atenção ao tema, nem me parecendo que estas páginas se prestem a essa tarefa, deixo, mesmo assim, algumas referências sobre os chamados verbos de medida: numa perpetiva sintática, John Charles Smith, "Circumstantial complements and direct objects in the Romance languages: configuration, Case, and thematic structure", in Thematic Structure: its role in grammar, ed. I. M. Roca, Berlin, Foris, 1992, pp. 293-316; fazendo ponte entre a sintaxe e semântica, bem como indo ao encontro da análise que antes rebati, Antonia Rothmayr, in, The Structure of Stative Verbs. Amsterdão, John Benjamins; apoiando-se nas regularidades observáveis em dados extraídos de um córpus, Celia Berná Sicilia, "La delimitación temporal en el verbo durar: un análisis valencial combinatorio", Verba Hispanica, XX/1, pp. 13-27.