Há um certo desnorteamento na utilização do hífen, a todos os níveis, como resultado da excessiva regulamentação obrigatória e da relativa arbitrariedade com que é usado mesmo quando não obrigatório.
Ora no caso de se tratar da saudação bom dia! (desejo-lhe um bom dia!), o que nós temos é uma estrutura que, no sentido directo, é equivalente a dia bom! (desejo-lhe um dia bom); e, nesta forma, ninguém tem dúvidas de que o hífen é desnecessário.
Sabe-se que nas locuções (ex.: à vontade) se convencionou que não há necessidade de hífen. No entanto, uma coisa é a atitude, outra o nome que se lhe dá (ex.: ele ficou também à vontade com o à-vontade dela); uma coisa é a acção, outra a designação (ex.: `esta cola tapa buracos´; ele é um tapa-buracos). O nome (o substantivo) fica caracterizado pelo artigo que antecede o composto.
Com as saudações acontece coisa semelhante. Dum lado, temos as saudações bom dia!, boa tarde!, boa noite!, do outro temos o nome dessas saudações: o bom-dia, a boa-tarde, a boa-noite´, sempre com hífen (ex.: `quando lhe digo bom dia! [dia bom!] estou a ser sincero no meu bom-dia´). E o mesmo se passa para `boas festas!´ e `envio as boas-festas´, etc.
Sublinho que com este parecer não estou a estabelecer doutrina, pois me limito a seguir Rebelo Gonçalves.
P.S. — Esta resposta foi elaborada ante uma dúvida sobre o hífen na saudação bom dia! Só depois de colocado em linha este meu parecer, reparei que a dúvida do consulente Paulo Azevedo era outra. Respondo agora especificamente à sua questão.
1. Bons dias! — Na opinião expressa por Sá Nogueira e por Vasco Botelho de Amaral, esta forma de saudação é a vernácula e mais do uso do povo.
2. Bom dia! — Esta saudação terá vindo da língua francesa. O dicionário Aulete em 1861 fala do «contemporâneo bom dia». Passou a ser mais frequente na cidade.
3. — Presentemente, as duas formas são equivalentes (ex.: Dicionário recente Houaiss-port.e.).
4. — Para mim, pode haver alguma diferença na intenção ou na interpretação das duas expressões. Bons dias! terá o sentido de se desejar que tudo corra bem em todos os dias, ou, na generalidade, de se desejar felicidade sempre. Enquanto em bom dia! é-se mais modesto no desejo: `neste mundo de permanente mudança, já não é mau que o dia de hoje seja bom; o que também está de acordo com a sabedoria popular: «o amanhã a Deus pertence», e, se «não há mal que sempre dure», também «não há bem que nunca acabe»...
Nota (em 2017-06-28)
Reparando agora nesta resposta que dei em 2004, verifico que já não penso da mesma maneira quanto à saudação bom-dia.
Naquela altura, baseei-me no critério de Rebelo Gonçalves, que, no seu Vocabulário de 1976, recomendava, na entrada boas-festas, que se deveria «desejar boas festas», sem o hífen. Para RG, boas-festas com o hífen era um nome: «as boas-festas».
Repare-se que bom dia é uma locução, pois é um sintagma AN com as palavras no sentido real, equivalente a “dia bom”. Será legítima, portanto, numa expressão do tipo “desejo que hoje (ou em outra altura) tenhas um bom dia (um dia bom), com tudo a correr pelo melhor”.
Com hífen, temos uma palavra composta, e, no critério que presentemente sigo, um conjunto com hífen pode ser um composto, diferente de uma locução.
Ora, a saudação durante a manhã não é uma locução: representa um desejo gentil de que tudo vá correr bem ao interlocutor, mas a sua validade não abrange todo o dia, pois que passado o meio-dia (hora) a saudação muda. Pode ter a intenção de ser para todo o dia, mas a verdade é que já não vale de tarde. Nem corresponde exatamente a metade do dia, pois que o ponto intermédio do “dia solar” é muito depois (quase duas horas no verão).
Assim, a saudação em causa é um composto, uma convenção, com as palavras de facto não completamente no sentido real. Logo, em resumo e em rigor, deve escrever-se nas saudações: bom-dia!, boa-tarde!, boa-noite! (esta, no nosso caso, tendo implícita a ideia de um bom repouso também).
Quando se foge ao esforço para sentir a língua, a tendência é para invocar o testemunho dos mestres, que nos precederam; mas, respeitando sempre o passado, é preciso não esquecer, nunca, que a língua (como a vida) «é o dia de hoje», naquilo que ela nos diz agora, ...e a olhar para o futuro, na nova geração que estamos a formar.
Ao seu dispor,