Permita-me, prezado consulente, que, antes de mais, o cumprimente pelas suas convicções, embora não concorde. Permita-me, igualmente, que recorde os pressupostos explicitados na resposta De novo o ter que ver /ter a ver/ter a haver, etc..., em Maio de 2003: « – A língua só existe porque há falantes que a usam e a interpretam e que fazem dela um organismo vivo em constante evolução; – O facto de eu não encontrar determinado sentido numa expressão não quer dizer que ele não exista, mas, tão-somente, que eu não sou sensível a determinadas variações que a língua permite; – O fa(c)to de eu não conhecer uma expressão não significa, igualmente, que ela não exista, corrobora apenas a certeza de que não conheço todas as potencialidades da língua que falo, – A alteração de uma estrutura acontece ao longo do tempo e deixa marcas que permitem identificar a sua evolução e reconstituir o seu percurso.» São estes os pressupostos que continuam subjacentes a esta resposta, como a outras que tenho elaborado. Permita-me, ainda, que lhe devolva uma crítica que, no mesmo texto que deu origem à resposta já citada, me endereçou. Dizia o consulente, e cito de novo, «… parece-me haver um vício de pensamento que presidiu a todo o excelente trabalho de justificação do verbo ver». Na altura, espero ter demonstrado o rigor do meu raciocínio. Vejamos porque recordo esta sua afirmação. Creio que o consulente sintetiza a sua tese em Março de 2003, em Ainda à volta do ter a ver/ter que ver/ter a haver..., quando diz: «… haver significa, em primeira linha, “ter”, para além de múltiplos outros sinónimos. Acontece que a expressão “isto nada tem a (ha)ver com aquilo” é sempre algo redundante, já que é um mero reforço da afirmação “isto nada tem com aquilo”, não merecendo dúvidas, neste último caso, o emprego do ver ter. Ora, na frase «isto nada tem a ter com aquilo», o verbo ter é utilizado exactamente no mesmo sentido as duas vezes, só que a frase soaria demasiado mal para ser utilizada. Ouso admitir que a justificação para a utilização do verbo haver passe por aqui, por um lado assim se evitando a desagradável repetição de ter e, por outro, alargando o sentido do verbo para “receber”, “colher”....» Ou seja, para o consulente, a expressão ter a ver com não deveria existir, porque é desprovida de sentido, sendo preferível no seu lugar ter a haver com. Por seu lado, ter a haver com é já um sucedâneo, pois a expressão ideal seria, segundo o consulente, ter a ter com, em que ter surgiria com o mesmo significado duas vezes, diz o consulente. Pergunto eu: qual é esse significado? Possuir? Como chega a «colher», «receber»? Que exemplos concretos de frases escritas ou ditas por alguém – hoje ou outrora; em Portugal ou noutra comunidade lusófona – tem para apresentar em defesa da sua posição? Note que nos pressupostos que enuncio admito a possibilidade de ocorrências da língua portuguesa que não conheço, e admito mesmo que o consulente tenha conhecimento de situações concretas que o levem a defender de forma tão convicta a sua posição. Todos ganharíamos se, no caso de as conhecer, as partilhasse connosco. Bom, mas mudando de rumo, porque lhe devolvo a crítica que me endereçou? Porque o consulente “tresleu”, ou seja, viu na resposta que cita «Tem de se avir comigo» + «em de se haver comigo» algo que lá não foi aflorado: o eventual verbo “aver”. Este verbo, no português do século XXI, não existe. Os vários milhares de páginas em que surge assim grafado na Internet ou se reportam a textos antigos e estamos perante a grafia, igualmente antiga, do verbo haver, ou são, como o contexto demonstra, meros erros ortográficos, potencialmente gralhas ao não introduzir um espaço – como é obrigatório no português – entre a preposição e a palavra que a segue ou a antecede. No caso presente, que a segue. Regista-se ainda um bom número de situações em que o referente é a povoação Aver-o-mar, que também ocorre como A-ver-o-mar. Não identifiquei uma única vez a forma aver com um sentido próprio, autónomo, que nos leve a admitir tratar-se de um vocábulo novo, correspondendo a uma acção (ou conceito) nova. Procurei, prezado consulente, rever – como solicitou – os seus argumentos. Espero tê-lo feito de forma adequada. Não tenho, porém, nada a acrescentar a tudo quanto sobre o assunto já escrevi, sobretudo porque o pretexto para retomarmos a questão não tem qualquer base concreta em que se apoie. Não posso, no entanto, terminar sem lhe pedir desculpa pela minha incapacidade em conseguir esclarecer as suas dúvidas.