Não foi possível encontrar registo dicionarístico ou outro de tal expressão.
Os dicionários gerais consignam o vocábulo pagaia, como designação de uma «espécie de remo curto, com pá larga, usado em pirogas e canoas» ou de «remo com uma pá (pagaia simples) ou com uma pá de cada lado (pagaia dupla), usado em canoagem desportiva, nomeadamente em caiaques» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Não é, portanto, descabido supor o uso efetivo de «atirar pagaias» como imagem do canoísta que avança sobre águas nem sempre calmas, manejando a pagaia com algum risco, à semelhança de quem dá palpites, ou seja, de quem dá a sua opinião por intuição ou mera ignorância atrevida.
Mesmo assim, convém assinalar que as fontes lexicográficas acolhem também as palavras pangaia e pangaio, que vêm a significar o mesmo que pagaia (cf. Dicionário Houaiss). Pangaio pode ser igualmente a designação de «grande embarcação alterosa, resistente, rápida e de boa estabilidade, com dois mastros de velas bastardas, usada na África oriental e na Índia» (idem*). Esta forma tem ainda um homónimo de origem obscura que significa «jovem que trabalha pouco; preguiçoso, indolente» (idem*) e que parece estar contido na expressão «armado em pangaio», interpretável como «dando-se ares, afetando importância» (cf. A. M. Pires Cabral, Língua Charra. Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Âncora Editora, 2013, s. v. pangaio)**. Não é, portanto, de excluir que «atirar pagaias» seja uma variante (ou deturpação) de «armar-se em pangaio», idiomatismo equivalente a «dar palpites», expressão que, por sua vez, pode denotar o comportamento da pessoa intrometida ou convencida que dá opiniões, sugestões e pareceres pouco fundamentados ou inoportunos.
* N. E. (23/05/2017) – O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa acolhe pangaio em aceções semelhantes – «pequena embarcação asiática» e, como regionalismo atribuído ao Minho, «mandrião; peralvilho». A mesma fonte acrescenta um terceiro significado, com que a palavra seria usada no Algarve e que terá muito provavelmente surgido por comparação com a embarcação assim denominada: «plataforma coberta nas estações de caminho-de-ferro». Agradece-se a Paulo J. S. Barata a chamada de atenção para este registo do dicionário Priberam.
**N. E. (24/05/2017) – Novamente sobre pangaio, agradece-se ainda ao consultor Paulo J. S. Barata a seguinte observação: «A expressão pangaio é também usada com o sentido de «indivíduo banana», «verbo-de-encher», «que não reage às afrontas» (ex.:«esse pangaio!», ou «fulano é um pangaio»). Aponta-se, apenas como hipótese de trabalho, que tal se possa radicar na menor robustez e capacidade de reação dos pangaios, embarcações usadas pelos povos sobretudo do Índico, que, mais frágeis e mais mal equipadas do que as naus portuguesas, eram, por isso, mais facilmente dizimadas... Disso mesmo dá testemunho Camões, no canto 1.º de Os Lusíadas, quando refere:
Uns vão nas almadias carregadas,
Um corta o mar a nado, diligente;
Quem se afoga nas ondas encurvadas,
Quem bebe o mar e o deita juntamente.
Arrombam as miúdas bombardadas
Os pangaios sutis da bruta gente.
Destarte o Português, enfim, castiga
A vil malícia, pérfida, inimiga.»
O mesmo consultor assinala também outros registos de pangaia e pangaio em dicionários e glossários; por exemplo, na 1.ª (1789) e na 10.ª (1949-1959) do dicionário de António Morais da Silva (o chamado «dicionário Morais»); e na edição eletrónica do Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos de José Leite de Vasconcelos.