DÚVIDAS

Ainda sobre a questão da intertextualidade e da recriação

No que respeita à resposta dada pela consultora Eunice Marta à minha pergunta, em 18/11/2005, devo dizer que não me resolveu a dúvida absolutamente. O caso que apresentei é evidentemente de intertextualidade, assim como uma paródia ou uma paráfrase. Quereria saber em qual espécie de intertextualidade se encaixa, se se poderia considerar uma recriação. Aguardo, se possível, uma resposta mais esclarecedora, a qual desde já agradeço.

Resposta

Um texto literário pode recriar uma determinada realidade, uma época, uma situação. Nesse caso, falar-se-á de «recriação literária», uma vez que, pela ficção, se consegue representar um certo universo. E pode mesmo evocar (ou convocar) até outros textos e outros autores que serão objecto privilegiado do discurso. Lembremos o romance de Adriana Lisboa Um Beijo de Columbina, que se debruça tanto sobre Manuel Bandeira. Mas, neste caso, a narradora não pretende fazer um texto do tipo dos de Manuel Bandeira, mas a acção gira à roda de poemas de Bandeira, o que leva a que procure recriar as vivências desse poeta.

Penso que, ao falar-se em criar um texto do tipo de Um Apólogo de Machado de Assis, não se está a fazer uma recriação literária. É um novo texto que é criado e não recriado. Será, assim, uma outra criação literária que terá como modelo o texto de Machado de Assis. O fenómeno será o mesmo do da produção de Um Apólogo (Machado de Assis), pois no século anterior (séc. XVIII – em 1721) foi publicada uma obra póstuma de D. Francisco Manuel de Melo – Apólogos Dialogais – constituída por quatro apólogos (Relógios Falantes, Escritório Avarento, Visita das Fontes e Hospital das Letras), «obra de crítica de costumes com finura de observação, rigor de retratos e situações, humor cáustico e, aqui e ali, contida amargura […] de intenção moralista». (Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, vol. II).

E nunca se disse que o texto de Machado de Assis era uma recriação literária da obra de D. Francisco Manuel de Melo. Foi o fenómeno puro e dinâmico da intertextualidade que levou Barthes a referir a escrita como «compromisso entre a liberdade e uma recordação». De facto, «os textos detêm um potencial de memória praticamente infindável que se vai acumulando sob os modelos da identidade e da diferença».

E em todas as leituras que fiz sobre a intertextualidade não encontrei nenhum termo específico que definisse esse tipo de texto criado à semelhança de outro. Sei, sim, que «a par da noção de interdisciplinaridade – reservada cada vez mais à descrição comparatista dos contactos entre dois ou mais textos literários», Angenot (1983) usa o termo interdiscursividade «para identificar as relações que qualquer texto, oral ou escrito, mantêm com todos os enunciados ou discursos pertencentes a uma determinada série cultural».

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