DÚVIDAS

A distinção entre morfologia e sintaxe

Gostaria de retirar uma dúvida acerca da tradicional divisão da gramática entre Morfologia e Sintaxe.

De uma forma geral, nos livros a que já tive acesso, a distinção entre essas duas partes se dá da seguinte forma: a Morfologia estuda a estrutura das palavras e sua classificação de forma isolada e a Sintaxe estuda como as palavras se articulam e qual função ocupam no interior de uma oração. Essa classificação é questionada pelos estudiosos da área?

Parece-me muito simplista esse tipo de divisão, uma vez que mesmo na analise morfológica o contexto da frase é importante e temos que analisar como o termo se articula no interior da frase, sendo que um mesmo vocábulo pode pertencer a classes gramaticais de acordo com a situação.

Exemplo: «O sambar da mulher é bonito»

Nesse caso, "sambar" é um substantivo e não um verbo como em «Eu amo sambar».

«Existe bastante flor no jardim»

Nesse caso, "bastante" é adjetivo e não um advérbio como em «Eu comi bastante bolo».

Tendo em vista o questionamento supracitado, o que acham? Existe algum conceito que seja mais preciso para diferenciar a Morfologia e a Sintaxe?

Obrigado.

Resposta

A Morfologia e a Sintaxe vão além das definições apresentadas na pergunta. Cada estudioso (seja gramático, seja linguista) define à sua maneira esses dois níveis da gramática. Todavia, geralmente há em comum alguns pontos dentro das conceituações. 

Ao passo que a Morfologia trata da estrutura das palavras (radical, desinências, afixos, etc.), da formação das palavras (derivação, conversão, composição, etc.) e da classificação das palavras (substantivo, adjetivo, verbo, etc.), a Sintaxe trata da combinação das palavras para a formação duma frase, levando-se em conta a ordem, a relação e a função exercida por elas dentro do período.

Com uma visão mais apurada, alguns estudiosos (como os gramáticos Celso Cunha e Evanildo Bechara) perceberam que a Morfologia e a Sintaxe não são dois domínios autônomos, porque tudo na língua está relacionado a uma combinação de formas. Assim, surge o conceito de Morfossintaxe, na qual uma palavra só passa a receber, com precisão, determinada classificação morfológica (e sintática) a depender da relação entre as palavras dentro da frase.

É a partir da Morfossintaxe, portanto, que se afirma ser um substantivo a palavra caminhar na frase «O caminhar da mulher é bonito», pois (1) esse vocábulo vem antecedido de artigo definido, ocorrendo o processo de substantivação; e (2) ocupa a posição sintática de núcleo do sujeito, implicando um valor nominal, próprio de um substantivo. 

Mas afirma-se, por outro lado, que caminhar é verbo na frase «Eu amo caminhar com você», porque (1) essa palavra está na forma infinitiva e (2) constitui uma oração subordinada substantiva objetiva direta.

O mesmo se dá com o vocábulo bastante, trazido pelo consulente. Na frase «Temos bastante tempo ainda», por exemplo, essa palavra é classificada pela maioria dos gramáticos brasileiros como pronome indefinido adjetivo, conforme se verifica em Cegalla (2008: 187), por estar ligada a um substantivo (tempo). Entretanto, a mesma palavra pode ser classificada como um advérbio de intensidade, como se vê em «Eu já falei bastante», em que bastante se relaciona sintaticamente com o verbo (falar). 

Em suma, quando se faz uma análise morfossintática, percebe-se que determinada classificação morfológica está condicionada à relação sintática existente entre as palavras que constituem a frase.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, empregou-se terminologia própria da nomenclatura tradicional vigente utilizada no ensino de gramática no Brasil. 

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa