Agradeço o reparo e as observações feitas pelo consulente, a quais me permitiram juntar uma retificação e um comentário em nota à resposta em causa.
Gostaria, no entanto, de juntar algumas observações ao que já foi dito sobre este assunto:
– A obrigatoriedade de aos apelidos se seguirem os apelidos paternos ficou consignada, em Portugal, no Código do Registo Civil de 10 de abril de 1928 (art.º 213) e na versão deste código de 1932 (art.º 242) – cf. Nuno Gonçalo Monteiro, "Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica", Etnográfica, n.º 12(2), 2008, pp. 46. Esta norma não existia nem no Código Civil de 1867 nem no Código do Registo Civil de 1911; e, nas versões que se seguiram aos códigos de 1928 e 1932, desapareceu igualmente tal disposição.
– Se por tradição e tradicional se entende a existência de uma prática muito antiga de colocação dos apelidos maternos e paternos no nome completo, é verdade que não se pode dizer que tal ordem é tradicional. No entanto, não parece descabido falar no enraizamento desta ordem no registo dos nomes completos, pelo menos a partir dos anos 30 do século passado. A atestar que essa ordem ainda hoje é aceite – que, se quisermos, se "naturalizou" e se tornou tradição – é o que se lê na Gramática do Português, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2013 (pág. 1004; sublinhado meu): «[O nome completo] consiste de duas partes: o nome de batismo (também chamado prenome ou nome próprio), como Elvira, Felisberta, Isabel, João, Jorge, Maria, Pedro, Sara, e os apelidos (os nomes de família), da mãe e do pai (geralmente nessa ordem), como Lobo, Melo, Mota, Raposo ou Silva.»
– A composição do nome completo era efetivamente muito livre, como também J. Leite de Vasconcelos observou em 1928, na sua Antroponímia Portuguesa, publicada em Lisboa pela Imprensa Nacional (cf. Monteiro, op. cit.).
– A concordância em género dos apelidos com a pessoa nomeada é uma prática histórica também conhecida. É descrita por Leite de Vasconcelos na já mencionada Antroponímia Portuguesa (págs. 538-540), onde este autor refere apelidos em -a baseados em apelidos em -o; por exemplo, Botelha < Botelho, Cardosa < Cardoso, Fialha < Fialho, Perestrela < Perestrelo. O caso inverso ocorre de modo semelhante (págs. 545/546): Catarino < Catarina, Mafaldo < Mafalda, Margarido < Margarida, Tereso < Teresa. A génese deste tipo de apelidos não é desconhecida em Espanha, por exemplo, na província de Zamora, que faz fronteira com Portugal, como aponta P. Riesco Chueca, que refere casos de apelidos terminados em -o ("masculinos"), que se formam com base em topónimos acabados em -a ("femininos"): Farizo < Fariza, Figueruelo < Figueruela, Moralejo < Moraleja ("Apellidos de oriundez y apellidos de ubicación local: una difícil distinción", El Llumbreiru – publicación trimestral de la Asociación Cultural Zamorana Furmientu, 50, 2017, págs. 3‐6; 51, págs. 1‐5).