É normal que certas construções sejam um pouco confusas para quem tem o português como língua estrangeira. A frase que nos enviou está correcta do ponto de vista gramatical, apesar de se enquadrar num registo informal.
«Turistas, há poucos na semana, só o suficiente pra dar ao pessoal que vive de conduzir charretes algo que fazer. Quase não se nota sua presença, tirando fotos e almoçando peixe frito.»
A primeira oração é uma construção de foco. A ordem natural seria: «Há poucos turistas na semana.» Deve ser isso que gera confusão e que faz com que não relacione o gerúndio em «Quase não se nota sua presença, tirando fotos e almoçando peixe frito» com o substantivo da frase anterior, «os turistas», pois este elemento não está na sua posição natural, e está muito longe do gerúndio. Mas, na verdade, «sua», em «sua presença», é referente a «os turistas», é um pronome anafórico, ou seja, retoma um elemento que já foi mencionado no texto (ou discurso, no caso da oralidade).
O gerúndio expressa uma acção em curso, que pode ser anterior ou posterior à do verbo da oração principal. Quando posposto à oração principal, pode, por vezes, ser imediatamente posposto (ex.: «Há poucos turistas na semana, tirando fotos e almoçando peixe»), ou conter outras orações pelo meio, como é o caso da frase que estamos a analisar. Quando isto acontece, é necessário um elemento que retome o antecedente. Na frase em questão, esse elemento é o pronome «sua»; «sua presença» equivale a «presença dos turistas». A anáfora é um processo de coesão textual usado em praticamente todas as línguas, é um processo de economia.
Imagine-se um pequeno texto como o seguinte:
(a) * A Maria voltou para a casa da Maria muito tarde, despiu a Maria, e deitou a Maria logo. A Maria dormiu bem nessa noite, sonhando com o lugar da Maria preferido.
Para qualquer falante de português, esta frase é ininteligível. Não faz qualquer sentido, é uma cadeia de redundância. Para evitar isto, a língua recorre a mecanismos de economia, que tornam o discurso mais fácil. Um desses mecanismos é o uso de elementos anafóricos (ex.: Ela/sua/se/etc.), que retomam um elemento antecedente, referido anteriormente no discurso. Desta forma, o mesmo texto pode ser simplificado da seguinte maneira:
(b) A Maria voltou para sua casa muito tarde, despiu-se e deitou-se logo. Ela dormiu bem nessa noite, sonhando com o seu lugar preferido.
Voltando à frase, depois de vermos que as orações de gerúndio «tirando fotos e almoçando peixe frito» se referem à oração principal «turistas, há poucos na semana», comentemos agora a função sintáctica dessas orações. Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, as orações deste tipo são classificadas de orações reduzidas de gerúndio/orações adjectivas: «O emprego do gerúndio com valor de ORAÇÃO ADJECTIVA tem sido considerado por certos gramáticos um galicismo intolerável. Cumpre, no entanto, acentuar que é antiga no idioma a construção quando o GERÚNDIO expressa a ideia de actividade actual e passageira. (...) Construção em tudo semelhante à que vigorou na língua até começos do século XVIII e que continua no português do Brasil.»
São dados alguns exemplos pelos mesmos autores, vejamos apenas um, que se aproxima da construção em análise:
Virou-se e viu a mulher/dando com a mão/fazendo sinal para que voltasse. (Luís Jardim, BA, 18.)
Conclui-se que a frase está certa sintáctica e semanticamente. O que a torna confusa é a distância entre os elementos referentes: «turistas, há poucos (...), tirando fotos e almoçando peixe frito».
Esperamos ter ajudado.
Parabéns pelo seu excelente português!