1. A primeira questão colocada prende-se com a ordem livre dos constituintes na frase.
A ordem canónica da frase apresentada é «Não a víamos, (não víamos/ não se via) não aparecia nem um braço nem uma mão dela ao atirar as coisas».
O pronome contraído com a preposição de (de+ela=dela) indica a posse1 e modifica os grupos nominais um braço e uma mão. Estamos a falar de um braço e de uma mão de quem? dela.
A alteração da ordem das palavras pelo autor é uma questão estilística, possível, dado que dela, sendo um modificador do nome, pode deslocar-se dentro da frase, sem que lhe comprometa o sentido.
Assim, as frases (i) e (ii) são ambas corretas em português.
(i) «Não a víamos, não aparecia nem um braço nem uma mão dela.»
(ii) «Não a víamos, dela não aparecia nem um braço nem uma mão.»
2. Pode substituir-se uma construção por outra. As frases ( iii) e (iv) são gramaticais:
(iii) «Não a víamos, dela não aparecia nem um braço nem uma mão ao atirar as coisas.»
(iv) «Não a víamos, dela não aparecia nem um braço nem uma mão a atirar as coisas.»
A proposta do consulente em substituir ao atirar as coisas por a atirar as coisas altera o sentido da frase do autor.
Repare-se:
Em (iii) ao atirar as coisas é uma oração subordinada adverbial temporal, remete para o tempo. Podemos parafrasear a frase por (iii')
( iii') «Não a víamos, dela não aparecia nem um braço nem um mão quando atirava as coisas (= ao atirar as coisas). A construção ao atirar as coisas modifica a oração não aparecia nem um braço nem uma mão dela.» Por ser um modificador pode ocupar vários lugares dentro da frase. Vejamos :
(iii'') a. «Não a víamos, ao atirar as coisas, dela não aparecia nem um braço nem uma mão.»
b. «Não a víamos, dela, ao atirar as coisas, não aparecia nem um braço nem mão.»
c. «Não a víamos, dela não aparecia, ao atirar as coisas, nem um braço nem uma mão».
Em (iv), a construção a atirar as coisas é constituída pela preposição a e um grupo verbal com o verbo no infinitivo. Nesta construção, a preposição a tem um valor temporal durativo que expressa uma situação em progresso, tendo em conta a sua duração. Esta construção denomina-se, na gramática atual, construção do infinitivo preposicionado2 (CIP). Nesta construção, em que a preposição tem um valor durativo, o valor da preposição é equivalente semanticamente ao gerúndio. Vejamos (iv'):
(iv')«Não a víamos, dela não aparecia nem um braço nem uma mão atirando coisas.»
A CIP (ou a construção equivalente com gerúndio) é uma construção que predica sobre o grupo nominal que constitui o seu sujeito semântico (uma mão) e não sobre toda a oração como em (iii).
As línguas naturais permitem várias combinações de palavras na formação dos enunciados. Cada construção é (ou não) validada na língua, porque cumpre (ou não) as regras sintáticas, as quais permitem diferentes análises.
Espero tê-lo ajudado.
1 (minha, tua, dele/dela, nossa, vossa, deles/delas).
2 Vide Gramática do Português, cap. 37.5.5 «Contextos de ocorrência da construção do infinitivo preposicionado», Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pág. 1971-1973.