Não cremos que a vírgula instale uma rutura na junção destas vogais átonas, uma vez que, ao pronunciá-las, as juntamos numa só sílaba e esse é o fator que determina a divisão da métrica. Fundem-se conforme a pronúncia corrente (o que constitui a sinalefa). É a fonética que define o critério da contagem das sílabas métricas, a que se chama escansão do verso.
O verso tem, assim, 6 sílabas métricas «Ó /que / lin /do, os/ na /vi / os».
Para haver a ocorrência de hiato, tinham de estar presentes duas vogais tónicas lado a lado, não podendo haver contração das duas, ou seja, mantêm-se em sílabas independentes, ainda que uma das sílabas tónicas enfraqueça. O hiato diminui a fluidez do verso, razão que leva os autores a evitá-lo (Ex.: di/rá / ao ).
Exemplificamos com um soneto de Camões, de versos decassílabos, o que dissemos acima. Veja-se o 1º verso, com vírgula a separar as vogais átonas a e a e que as elide numa sílaba métrica: De/ quan/ tas/ gra/ ças/ ti/ nha, a/ Na/ tu/ re/ za
As duas sílabas gramaticais /nha, a/ podem ser pronunciadas numa única emissão de som e a vírgula não o impede, nem as separa como nas sílabas gramaticais.
De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.
Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.
Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Fonte: Amorim de Carvalho, Tratado de Versificação Portuguesa, Edições Almedina,1991, Lisboa
N.E.– O poema referido na pergunta é o seguinte:
Bartolomeu Marinheiro
Era uma vez
um capitão português
chamado Bartolomeu
que venceu
um gigante enorme e antigo.
Bartolomeu, em menino
pequenino,
ia para o pé do mar...
e ficava a olhar
o mar...
E Bartolomeu cismava...
Ó que lindo, ó que lindo,
o mar, e a sua voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu, era uma caravela
que novos céus andava descobrindo...
Ó que lindo, os navios,
que vão suspensos entre a água e o céu,
com velas brancas e mastros esguios,
e com bandeiras de todas as cores!
Bartolomeu cismava
porque ouvia
tudo o que o mar contava
e lhe dizia.
Afonso Lopes Vieira (1912)