DÚVIDAS

A gramaticalidade de «o quanto» e «o quão»

Sei que há uma publicação sobre este tema no vosso site, pelo que escusam de me reencaminhar para lá. O problema de se verem muitos erros escritos é que, com o tempo, começamos a duvidar. Agora com este frequente: «o quão». Sempre escrevi [...] quão sem artigo definido antecedente. Mas tenho visto, inclusive em professores de Português, a expressão «o quão»! Sempre aprendi que quão substituía «o quanto» no sentido de perguntar ou afirmar «como», «de que modo», «a que ponto».

Quão errado estou!?

Obrigado pela ajuda.

Resposta

O uso de «o quão» está correto.

A palavra quão é um advérbio1 que substitui quanto antes de um adjetivo ou de um advérbio em frases exclamativas e declarativas (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – ACL):

1. «Quanto muda a sociedade!»

2. «Quão diferente é a sociedade de hoje!»

3. «Quão longe estou da felicidade!»

Nas frases exclamativas, parece restringir-se o uso do artigo definido (o ? indica que as frases são de aceitabilidade duvidosa):

1'. ?«O quanto muda a sociedade!»

2'. ?«O quão diferente é a sociedade de hoje!»

3'. ?«O quão longe estou da felicidade!»

Nas frases declarativas, não se notam restrições: quanto é usado com artigo definido – segundo o dicionário da ACL, trata-se de uma locução adverbial – com função intensificadora, como se fosse uma expressão nominal («o quanto»)*:

4. «Todos reconhecem o quanto ele é esforçado» [exemplo do dicionário da ACL].

5. «Todos reconhecem o quão esforçado ele é.»

Sendo assim, não existe razão para rejeitar o uso de «o quão», que ocorrerá em condições próximas das de 4, com a condição de ficar associado a adjetivos e advérbios como em 2 e 3.

Refira-se, por último, que «o quão» já ocorre na língua há séculos:

6. «Mas tanto que se passa este acidente,/ e vejo o quão distante de vós mouro,/ temo quanto imagino por agouro,/ porque d' imaginar também me ausente» (Camões, Rimas, séc. XVI, in Corpus do Português).

7. «Mil preceitos há que nos ensinam, o quão pouco são estimáveis em si, esses mesmos objectos, que buscamos com fadiga» (Matias Aires, Reflexão sobre a Vaidade, 1745, idem).

1 O gramático Napoleão Mendes de Almeida, no seu Dicionário de Questões Vernáculas, classifica «o quanto» como locução conjuntiva, cujo uso não condenava. Observe-se que outras fontes brasileiras não convergem com Mendes de Almeida quanto à classe de palavras de quanto nos contextos em apreço. Por exemplo, o Dicionário Houaiss classifica quanto como advérbio quando lhe é atribuído o significado de «em que quantidade»: «não sabe quanto é querida de todos». Também Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Usos do Português, classifica quanto como advérbio.

2 De facto, é o que sugere a descrição do Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (obra brasileira que apresenta descrições e classificações também úteis para a análise gramatical do português de Portugal): «[quanto, no sentido de «a quantidade que»] pode vir precedido do artigo». Pode supor-se que a mesma fonte aceitará uso semelhante com quão, que descreve como forma apocopada (ou seja, que perdeu sons finais) de quanto.

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