Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Por que as locuções «a jusante'» e «a montante'» não levam acento indicativo de crase? Poderiam me dar uma explicação?

Ficarei imensamente agradecida.

Resposta:

Jusante e montante são substantivos do género feminino que fazem parte das locuções adverbiais «a jusante»  «para o lado da foz; para onde correm as águas de um rio»  e «a montante»  «no sentido da nascente de um rio, para o lado nascente». A forma destas expressões fixou-se no uso, não se fazendo acompanhar de artigo definido feminino a. Por isso, não se verifica a crase,  ou seja, não há contração entre a preposição a e o artigo definido a.

Veja-se outro exemplo que clarifica a omissão do artigo definido noutros usos de jusante e montante: «vou para jusante», «vou para montante» (não se aceita «vou para "a" jusante/montante»). À semelhança destas locuções, existem outras onde ao nome constituinte também não se associa o artigo definido (neste caso, masculino): «a dedo», «a cavalo» e «a bombordo» (não se diz «"ao" dedo», «"ao" cavalo», «"ao" bombordo»).

 

1 Cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009),

Pergunta:

Diz-se «aquele homem é musculoso» ou «musculado»? Ou aceitam-se as duas formas?

Obrigado.

Resposta:

Os adjetivos musculosomusculado estão atestados nos dicionários consultados. 

O primeiro, musculoso, que vem do latin musculosus, está atestado no dicionário Michaelis como «que tem natureza dos músculos; que tem músculos fortes e bem desenvolvidos, musculado; ou que tem constituição física forte e resistente». Quanto a musculado (de músculo + -ado, idem, ibidem)1, também no mesmo dicionário, diz-se «provido de músculo; musculoso» ou, relacionado com as artes plásticas, «diz-se de obra de arte em que os músculos se distinguem nitidamente».

Em suma, os adjetivos são sinónimos e são aceites. 

 

1 Dicionário Michaelis e o Dicionário Houaiss analisam musculado como um adjetivo derivado de nome (denominal). No entanto, os dicionários de Portugal que foram consultados consideram que o adjetivo tem origem no particípio passado do verbo muscular (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, a Infopédia e o Dicionário Pr...

Pergunta:

Qual é o plural das palavras próton, nêutron e elétron?

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa  e o dicionário Michaelis, temos prótones ou prótons como plural de próton, nêutrones ou nêutrons como plural de nêutron, e elétrones e elétrons como plural de elétron.

Note-se que estes termos, utlizados nos estudos da física, com a grafia apresentada pelo consulente, são comuns em português do Brasil. No entanto, em português de Portugal a grafia que prevalece é distinta e, por isso, também o seu plural é distinto: com efeito, protão pluraliza como protões; neutrão tem o plural neutrões; e a eletrão corresponde eletrões como plural. 

Pergunta:

Primeiro, quero saudar a contribuição desta plataforma para a promoção da língua portuguesa.

Gostava de saber se é errado ou incoerente dizer «ilustre desconhecido».

Resposta:

Quando nos dirigimos a alguém usando o adjetivo ilustre, queremos com isto distinguir a pessoa por ser «célebre, notável, famosa, nobre, distinta» ou então para exprimirmos consideração pela pessoa a quem nos dirigimos ou de quem falamos. No entanto, na expressão «ilustre desconhecido», não há como classificar o desconhecido com os adjetivos acima enumerados, porque não se classifica quem desconhecemos. Ainda assim a expressão está correta e é usada com sentido irónico. Veja-se:

(1) «Ninguém o conhecia na cidade. Era um ilustre desconhecido»;

(2) «Quando começou a escrever, Saramago era um ilustre desconhecido no meio literário.»

(3) «Chegou à equipa como um ilustre desconhecido, mas depressa se afirmou e tornou-se um craque». 

 

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as palavras iniciais.

Pergunta:

Gostaria de saber se digo «Eu vou ao cinema na parte da manhã» ou «Eu vou ao cinema da parte da manhã", ou se é incorreto dizer das duas formas.

Resposta:

Com a expressão «parte da manhã», podem empregar-se ambas as preposições, em ou de, sem alteração do significado:  «eu vou ao cinema na parte da manhã»;  «eu vou ao cinema da parte da manhã». Embora a preposição em se associe de modo mais natural com parte – atendendo a que  este nome tem sentido locativo e se diz, por exemplo, «na segunda parte do jogo» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) –, é possível a preposição de, que ocorre nas expressões temporais «de manhã» e «de tarde».

Pode também achar-se discutível o uso de «na/da parte da manhã», por esta configurar uma redundância. Com efeito, está-lhe subjacente a noção de «parte do dia», pelo que constitui a elipse de uma construção mais extensa «a parte do dia que é a manhã», em que manhã já significa «(primeira) parte do dia» (entendendo dia como «período em que há luz solar»). Sendo assim, embora seja corrente dizer-se «vou ao médico na parte da manhã», revela-se mais económica a frase «vou ao médico de manhã».

De qualquer modo, é uma expressão de uso corrente em Portugal no registo informal, principalmente na oralidade. Num registo formal, embora não pareça haver doutrina prescritiva sobre este caso, será recomendável a formulação mais simples – «de manhã», «de tarde» –, mas há situações em que a locução mais extensa se justifica. Por exemplo, quando se fala de horários de um consultório ou de uma secretaria é correto dizer-se que «às quarta-feiras, só há consultas na/da parte da manhã», uma vez que se deixa implícito que tal serviço tem dois períodos de funcionamento, a parte da manhã e a parte da tarde.

 

N.E. (22/10/20...