Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É correcto dizer-se que uma pessoa "é insuficiente renal"?

 

[N.E. – Manteve-se a forma correcto, anterior à grafia correto, prevista pela norma ortográfica atualmente em vigor.]

Resposta:

Uma pessoa que sofra de insuficiência renal, doença provocada pela diminuição progressiva da função renal, é, efetivamente,«insuficiente renal». No entanto, e além desta designação estar atestada pela Associação Portuguesa de Insuficientes Renais, como o próprio nome da mesma indica, o mais corrente é ouvirmos «doente com insuficiência renal/que sofre de insuficiência renal», designação também ela correta. 

Pergunta:

Escreve-se «casa editora» ou «casa-editora»?

Resposta:

A grafia correta é casa editora.

A questão levantada pelo consulente prende-se com o facto de estarmos perante uma construção nome + adjetivo, a qual, em algumas situações, se fixou na língua com o uso de hífen, como é o caso de diretor-geral (ver respostas sobre a grafia de «diretor-geral»l aqui e aqui). No entanto, nem o Acordo Ortográfico em vigor nem os seus precedentes definem regras para estes casos, o que fragiliza o consenso à volta da questão. Não obstante, e uma vez que não se encontra dicionarizada a forma «casa-editora», afigura-se como solução a sua grafia sem o recurso ao hífen. 

Pergunta:

Nunca soube muito bem o significado de relativo relativizar. Exemplos: «Aquilo é relativo. Tens de relativizar as coisas!» Julgo que neste contexto a palavra relativizar significa desvalorizar. Estou certo? Agradecia que me ajudassem a ficar mais seguro deste termo que se usa muito no dia a dia.

Resposta:

Nas frases apresentadas o adjetivo relativo significa «que não é tomado em sentido absoluto» (dicionário da Infopédia), e o verbo relativizar significa «tratar (alguma coisa) retirando-lhe o seu caráter absoluto ou independente, considerando-a em relação a outras coisas; tornar relativo» (Ibidem). Atendendo aos seus significados, interpretem-se os seguintes exemplos:

(1) «A importância do que afirmaste é relativa.»

(2) «Relativiza esse problema».

Em (1) afirmamos que aquilo que dissemos tem uma importância inferior àquela que julgamos ou queremos fazer parecer; em (2) mostramos que não se deve dar tanta importância a determinado problema. 

A questão principal que aqui se verifica é que estamos perante palavras de classes diferentes, as quais, no entanto, transportam uma mensagem semelhante. Se por um lado temos um adjetivo, a palavra que qualifica, determina ou relaciona o nome, por outro temos um verbo, ou seja, a palavra que designa uma ação, um processo ou um estado. 

Pergunta:

Gostava de saber se as hashtags em português devem ser acentuadas ou não:

#RepúblicaDominicana

ou

#RepublicaDominicana?

Obrigada!

Resposta:

 Hashtag1 é um termo ou expressão sem espaçamento, antecedido pelo símbolo cardinal (#) e que tem como objetivo direcionar o usuário para uma página de publicações relacionadas com o mesmo tema ou discussão. O seu uso facilita pesquisas que estejam relacionadas com um evento, uma notícia ou um produto, por exemplo, e encontra-se, essencialmente, nas redes sociais FacebookTwitter e Instagram, apesar de o seu uso ter também presença em campanhas e manifestações.

Em relação à questão colocada, verifica-se que não há um consenso nem estudos suficientemente sólidos que sustentem a resposta. Vejamos, no entanto, as conclusões a que chegamos após uma pesquisa:

– A rede social Instagram, por exemplo, mostra-nos que o uso do acento pode ou não ocorrer, ou seja, tanto encontramos #RepublicaDominicana como #RepúblicaDominicana. Percebemos, no entanto, que há uma clara preferência pelo não uso de acentos (ou qualquer outro sinal gráfico): há 5,5 milhões de ocorrências de #RepublicaDominicana e há 485 mil publicações onde consta #RepúblicaDominicana. Note-se que a grafia com e sem acentos nesta rede social cria hiperligações distintas. 

– Na rede social Twitter, plataforma onde surgiram as hashtags, acontece o mesmo que no Instagram, ou seja, encontramos a mesma hashtag com e sem acento. Aqui não conseguimos precisar o número de ocorrências do uso de uma ou outra forma, mas tal não é necessário, porque a hiperligação associada a #RepúblicaDominicana e #RepublicaDominicana é a mesma, ou seja, ao clicarmos nos dois códigos somos reencaminhados para o mesmo conteúdo.

...

Pergunta:

Deverá ser «cumprimentos do Brasil» ou «cumprimentos desde o Brasil»?

Como é que se deve empregar a preposição desde?

Muitíssimo obrigado!

Resposta:

«Cumprimentos do Brasil» é a expressão correta, e significa «mando cumprimentos do local onde me encontro, que é o Brasil». Atendendo ao sentido genérico da preposição desde, que é o de «limite a partir do qual se percorre uma extensão», não parece que o uso neste contexto se justifique.

Com efeito, a preposição desde marca geralmente «movimento ou extensão com relação a um ponto determinado no espaço, a começar de (ex.: "veio a pé desde casa"); movimento ou extensão a partir de um momento determinado, a partir de, a datar de, já, já em (ex.: "desde cedo revelou interesse"); ordem gradativa, sempre em correlação com as preposições a ou até (ex.: "estavam lá, desde ministros aos mais humildes funcionários")» (Dicionário Houaiss). Ora, sabendo que desde se faz frequentemente acompanhar das preposições até e a estejam elas implícitas ou explícitas  (ex.: «Estou à espera de um telefonema desde ontem [até hoje]»), considera-se inadequado o seu uso  como acontece na expressão apresentada.

Na verdade, se se pretende marcar apenas afastamento, sem alusão ao limite final de um percurso (cf. Textos Relacionados), emprega-se a preposição de, como no caso do envio, transmissão ou difusão de alguma coisa; exemplos: «falou do escritório» (= a partir do escritório), «trabalha de casa» (= a partir de casa), «o programa foi transmitido de Lisboa» (= a partir de Lisboa). Sendo assim, em relação ao agradecimento em questão, a forma correta corresponde a «cumprimentos do Brasil», expressão que subentende «cumprimentos enviados do Brasil».

Acrescente-se que o uso de desde em lugar de de na situação descrita não é desconhecida em textos literários portugueses, como observou