Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a diferença entre radiante e radioso?

Deve dizer-se «um sol radioso» ou «um sol radiante»?

Resposta:

O adjetivo radioso está atestado com o significado de «que emite raios de luz ou calor; brilhante, luminoso; resplandecente; que revela grande entusiasmo e vitalidade; alegre, contente, radiante; muito bonito» (Infopédia). Por seu lado, o adjetivo radiante está atestado com o significado de «que radia, fulgurante, brilhante; contente, cheio de alegria; esplêndido; promissor; que sai de um centro como raios de um círculo» (ibidem).

Atendendo, portanto, ao significado, infere-se que os adjetivos são sinónimos. Assim, não há diferença entre afirmar-se que está «sol radiante» ou dizer que está «sol radioso».

Pergunta:

Gostaria, com a devida licença, de discordar de parte da resposta dada a José de Vasconcelos Saraiva, em 24/1/2020, a qual me causou grande estranheza.

Lá se diz:

«No entanto, e apesar da explicação acima dada, é importante citar a Gramática de Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 2102): «Quando o verbo da oração relativa é ir, embora o valor locativo seja direcional, pode também usar-se o pronome relativo não preposicionado: cf. a cidade onde eles foram é muito longe da minha.»

E se diz mais:

«Ora, esta passagem confirma que, com o verbo ir da oração relativa, podemos optar pelo advérbio aonde ou pelo advérbio onde com um valor locativo dinâmico sem que se incorra em erro.»

Digo eu: se «ir onde» é possível, então tudo é permitido... A entender-se como correta tal construção, é-se autorizado a dizer: "o lugar o qual (em vez de 'ao qual') ele foi é perigoso"; "o lugar que (em vez de 'a que') ele foi é perigoso"

A bem da verdade, não consigo entender por que uma passagem da referida gramática (sem citação da fonte, aliás) pode dar a "confirmação" para se fazer tal uso do advérbio "aonde", contrariando frontalmente a norma e o bom uso de centenas de bons escritores. Aonde se quer chegar com isso?

A propósito, quanto à frase de Camilo («Sabes onde vai bater o meu dinheiro»), na minha opinião, ele usou onde, porque é justamente o advérbio que deveria usar, remetendo a bater (com o sentido de «chegar», mas regendo a preposição em), e não ao verbo auxiliar (ir). Ele, como bom ser humano, poderia ter errado, e não deixaria de ser o consagrado escritor que é, mas não foi dessa vez.

Resposta:

Não nos parece que, sendo «ir onde» possível, «então tudo é permitido». Não é tudo permitido, justamente porque o uso de uma língua está efetivamente condicionado por regras gramaticais que têm coerência interna e que decorrem (talvez nem sempre) de princípios ou dispositivos cognitivos mais gerais, que ainda hoje estão a ser  investigados. Mas não se pode ignorar outra força atuante, a dos padrões linguísticos que o uso da língua  foi cimentando. Se o caso em discussão falta à lógica e aos esquemas cognitivos que dão consistência à gramática, o mesmo não se pode dizer acerca da sua conformidade com certas compatibilidades sedimentadas pela história da língua.

Não se trata de negar a diferença no uso de onde e aonde, que atualmente existe na norma; mas a história da língua e o estudo da variação linguística legitimam o uso de onde em detrimento de aonde. Com efeito, existem exemplos literários – não de «centenas de bons autores», mas, pelo menos, de «bons autores» – que atestam a associação do verbo ir  com onde quer em contexto interrogativo (direto e indireto) quer em construções relativas (note-se que não se trata de ocorrências de «ir em (meio de transporte ou semelhante)»):

(1) «Onde ia ele? Que ia ele fazer?» (A. Garrett, O Arco de Sant'Ana)

(2) «- Onde vai, seu estúpido? - gritou-lhe o tio. - Vou-me. - Sente-se ali!» (Eça de Queirós, Singularidades de uma Rapariga Loura)

(3) «... conforme se po...

Pergunta:

Na frase «Em que dia da semana, Joana foi às compras?», acredito que esteja errada a colocação da virgula, mas não entendo a norma. Alguém poderia explicar a razão pela qual não há vírgula entre «semana» e «Joana»?

Obrigado.

Resposta:

O exemplo apresentado é uma frase interrogativa direta parcial (ou de instanciação), ou seja, a interrogação recai sobre um dos elementos da frase. Nestes casos, em que apenas um constituinte é interrogado, desloca-se esse mesmo constituinte para o começo da frase, sem necessidade de vírgula a separá-lo.

Numa frase declarativa, a deslocação do constituinte para o começo da frase é compatível com a vírgula, sobretudo se se tratar de uma expressão adverbial formada por duas ou mais palavras: «Joana foi às compras no domingo de manhã» > «No domingo de manhã, Joana foi às compras». Contudo, numa frase interrogativa, não ocorre vírgula depois do constituinte que foi extraído da sua posição à direita do verbo: «Joana foi às compras em que dia da semana?» > «Em que dia Joana foi às compras?» (em Portugal, neste casos, será mais corrente a inversão de sujeito: «em que dia foi a Joana às compras?»). É também possível na oralidade pospor a locução «é que» ao constituinte interrogado, sem qualquer vírgula : «Em que dia é que Joana foi às compras?».

Pergunta:

Gostaria que me informassem se existe algum adjetivo específico para qualificar a pessoa que possui boa memória, que se lembra fácil e rapidamente das coisas. É comum usarmos a expressão memória de elefante, contudo desejo saber se há alguma forma mais formal de descrever a boa memória.

Desde já, agradeço a atenção.

Resposta:

Os adjetivos possíveis para denominar uma pessoa com a dita memória de elefante1 poderão ser lembradiço, «que ou aquele que se lembra de tudo, que tem boa memória» (Dicionário Houaiss), ou hipermnésico «relativo a ou que apresenta hipermnésia», sendo hipermnésia o mesmo que «atividade exagerada da memória; capacidade fora do comum de evocar lembranças» (ibidem). No entanto, cabe observar que tanto um como outro adjetivo podem fugir um pouco à definição de memória de elefante, expressão que alude à lembrança fácil e rápida das coisas, tenham ou não elas relevância. 

 

1 A expressão idiomática ter memória de elefante prende-se com a crença de o elefante, à semelhança da sua estatura, ser um mamífero que detém um grande cérebro, mais denso e com mais lóbulos que o dos humanos, o que lhe permite armazenar muita informação (cf. Significado de Memória de Elefante).

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