Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora
Desafios na língua em debates sobre identidade de género
Não-binariedade

Assuntos na ordem do dia têm causado algumas discrepância e confusão na ortografia, nomeadamente a inconsistência na hifenização – não binário ou não-binário– e na sufixação binariedade ou binaridade? A este propósito, a consultora Sara Mourato traz a discussão para cima da mesa. 

Pergunta:

Relativamente à expressão "media arte", perguntava-vos se a na mesma deverá constar um hífen: «O José é profissional de média-arte digital.»

Resposta:

É relativamente fácil encontrarmos numa pesquisa rápida pelo Google média-arte1, assim como media arte. Não parece haver, portanto, um critério. Note-se, contudo, que a forma adotada sem hífen, tem o seu primeiro elemento em inglês. É, de facto, nesta língua que este conceito tem origem: media arts. Trata-se de um termo inglês que designa uma área académica relativamente recente e que corresponde à forma de arte que utiliza meios de comunicação e tecnologias digitais na sua criação.

Contudo, esta questão levanta alguns problemas. A expressão inglesa é formada como um composto em que o nome media modifica o nome arts, estrutura que não é possível em português. Em português, ao invés, temos de inverter a ordem dos termos da expressão – «artes-media» ou «artes-média» –, ou passar o nome inglês media a um sintagma preposicional em português «arte(s) de media» ou «artes de média». Do ponto de vista das regras e dos padrões morfológicos do português, esta última solução parece preferível. 

Pode ainda considerar-se outra solução: transpor o inglês media como um adjetivo, por exemplo, mediático2. Assim, teríamos artes mediáticas, conceito presente em páginas da Internet, como por exemplo, aqui. Em documentos de proveniência brasileira, observa-se o emprego de «de mídia» e midiático: «arte de mídi...

O fenómeno televisivo denominado <i>dorama</i>
Do Oriente para o Ocidente

O fenómeno do dorama está a conquistar o público brasileiro, a tal ponto que o substantivo masculino foi incluído no vocabulário da Academia Brasileira de Letras. A este propósito, a consultora Sara Mourato fala sobre este substantivo: a sua origem e a prevalência de uso no espaço lusófono. 

Celebrar o <i>cardioversário</i> e o <i>mesversário</i>
Novos conceitos

A propósito de declarações do cantor português Salvador Sobral, em que refere ter comemoorado o seu sexto cardioversário, a consultora Sara Mourato reflete acerca da construção deste neologismo, assim como de um outro, provável fonte de inspiração para o cantor português: mesversário.

Pergunta:

Gostaria de saber qual é o erro que esta frase tem e como posso corrigi-lo:

«Este filme mostra-nos que devemos ter convicção naquilo na qual acreditamos.»

Resposta:

O pronome relativo «o/a qual» não pode ter como antecedente os pronomes demonstrativos invariáveis.1

A frase está, portanto, incorreta, e o erro reside na utilização inadequada da locução pronominal relativa a qual, a introduzir a oração subordinada restritiva. O correto é, antes:

(1) «Este filme mostra-nos que devemos ter convicção naquilo em que acreditamos.»

Mesmo que o/a qual fosse possível na frase acima, a concordância em género e número desta locução com o seu antecedente obrigaria à ocorrência de o qual, porque o antecedente aquilo, pronome demonstrativo invariável, desencadeia a concordância no género masculino. É o que acontece quando, em frases corretas, o/a qual tem um nome por antecedente:

(2) Temos esperança num ideal político exigente, no qual acreditamos.

 

1 A inaceitabilidade da construção talvez se deva ao facto de o qual precisar de um antecedente com valor referencial [+específico], que não é preenchido pelo pronome aquilo, cuja referência é vaga, ao contrário de aquele, que não ocasiona incompatibilidade: «aquele no qual acreditamos». Talvez também por esta razão se use «aquilo em que acreditamos», porque que aceita antecedentes com todos os valores. Agradece-se a sugestão desta hipótese à consultora Carla Marques (comunicação pessoal).