Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Diz-se e escreve-se "linhas-mestres" ou "linhas-mestras"?

Já agora, com ou sem hífen?

Muito obrigado.

Resposta:

Aquilo que se atesta nos dicionários é linhas-mestras ou linhas mestrasMestra encontra-se, portanto, no feminino, e com isto referimo-nos à chave que é mais importante por ser fundamental.

A dualidade de grafias evidencia a falta de consenso quanto à hifenização. O Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa atesta a forma sem hífen, como em chave mestra, estrada mestra, parede mestra. Em contraste, em dicionários como a Infopédia e a Priberam, não se abona linhas-mestras, mas validam-se compostos com o adjetivo mestra hifenizado, como obra-mestra, parede-mestra, trave-mestra, etc.

À luz do Acordo Ortográfico de 1990, este exemplo pode ser enquadrado no ponto 1 da Base XV, que preconiza o uso do hífen em palavras compostas por justaposição. Isto aplica-se quando os elementos formam uma unidade sintagmática e semântica, mantendo acento próprio, mesmo que o primeiro elemento esteja reduzido.

Assim, aceitar-se-ia o hífen.

De facto, a Infopédia atesta a forma obra-mestra, sinónimo de obra-prima, e também o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa o faz com o significado de «a melhor, a mais perfeita obra de arte de uma época, de um género, de um estilo, de um artista; obra de arte muito boa, perfeita, valorizada como algo de excecional; o que é perfe...

Pergunta:

A minha dúvida prende-se com a utilização da expressão «do tempo da outra senhora».

Conheço a sua origem e sei que é utilizada, normalmente, para nos referirmos ao período do Estado Novo [em Portugal].

Mas será que a podemos utilizar simplesmente como referência a algo antigo como no caso do «tempo da Maria Cachucha», sem a leitura política?

Obrigado.

Resposta:

De facto, «do tempo da outra senhora» surge muitas vezes associado ao regime do Estado Novo (1933-1974). Contudo, a expressão em apreço tem origens mais remotas e está relacionada com o trabalho doméstico. De acordo com Maria Regina Rocha, «a senhora era a dona da casa e aí punha e dispunha. Era ela que ditava as leis da organização da casa, a serem cumpridas pela criadagem. Quando a senhora da casa morria, havia uma nova senhora (a filha, a nora, a nova mulher do viúvo que entretanto casaria), a ditar a organização da casa, e essa organização sofria alguma alteração; a forma de gerir era, naturalmente, diferente. E surge então a expressão "o tempo da outra senhora", distinto do atual» (resposta completa, aqui).

A mesma autora refere que, quando se diz que algo é do «tempo da Maria Cachucha», significa que é muito antigo (resposta completa, aqui). 

Assim, embora as expressões, «do tempo da outra senhora» e «do tempo da Maria Cachucha», transmitam a ideia de algo antigo ou pertencente a um passado remoto, elas não são sinónimas no sentido exato. A primeira tem uma conotação mais ligada à transição de poder, e a segunda mais ligada à ideia de antiguidade. 

Pergunta:

Pode-se omitir o artigo definido do pronome possessivo, já que, a exemplo, «a minha» e «minha» não diferem em sentido.

Também, há um tipo de elipse que ocorre via pronome possessivo, como na frase «Peguei minha mochila, pegue a sua também» está omitido o termo mochila após «a sua».

Contudo, vem-me à mente às vezes se está correto a omissão do artigo definido do pronome possessivo enquanto há esse tipo de elipse.

Alguns exemplos:

• «Peguei minha mochila, pegue a sua também.» → "Peguei minha mochila, pegue sua também";

• «O folheto dos outros foi entregue, mas o nosso não.» → “O folheto dos outros foi entregue, mas nosso não".

Agradeço a ajuda.

Resposta:

De facto, pode verificar-se a omissão do artigo definido junto do possessivo, como refere o consulente. Isto ocorre quando estamos perante determinantes possessivos, que são usados para modificar um substantivo, indicando a quem algo pertence: «peguei [a] minha mochila».

Contudo, quando se trata de um pronome possessivo, i.e., quando substituem um substantivo e indicam a quem algo pertence em sentido próprio ou translato, é obrigatório o uso do artigo, de acordo com o Dicionário Terminológico e com Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Editora Lucerna, 2003, p. 157). Isto ocorre porque o pronome possessivo está a desempenhar o papel de substituir um substantivo e, nesse caso, a construção requer a inclusão do artigo definido.

Assim, o correto deverá ser:

1. «Peguei [a] minha mochila, pegue a sua também.»

2. «O folheto dos outros foi entregue, mas o nosso não.»

<i>Bandalheira</i> no discurso político
Léxico e comunicação pública em Portugal

Em 4 de novembro de 2024, um líder partidário português – Luís Montenegro, líder do Partido Social Democrata (PSD) –, teceu acusações a respeito do atual líder do PS, Pedro Nuno Santos, utilizando a palavra bandalheira. A consultora Sara Mourato reflete sobre o uso e a história deste vocábulo.

Pergunta:

Ambas as formas são corretas para se dizer ou escrever?

 – cruelíssimo;

– ou crudelíssimo.

Resposta:

Ambas as formas do supelativo absoluto sintético do adjetivo cruel são aceites: cruelíssimo crudelíssimo.

De acordo com o Dicionário Houaiss, «os adjetivos que não se caracterizam por terminação especial fazem o superlativo em -íssimo (em certos casos com a duplicação do radical)», e é o caso de cruel. Ou seja, o superlativo absoluto sintético tem por base ou o radical do adjetivo português, cruel, ou o radical do adjetivo latino que lhe deu origem, crudēlis. Vejam-se outros exemplos semelhantes: 

1. Fiel: fielíssimo / fidelíssimo (em latim, o adjetivo é fidēlis).

2. Parco: parquíssimo / parcíssimo (em latim, o ajetivo é parcus).

3. Miúdomiudíssimominutíssimo (em latim, o adjetivo é minūtus).