Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Em relação ao verbo enumerar, é possível admitir-se uma ocorrência/construção com a preposição em?

«As qualidades que o pai enumerou NOS filhos eram muitas.»

Obrigado.

Resposta:

É um uso pouco rigoroso, porque o que a frase parece querer dizer é que a enumeração é relativa aos filhos.

Sendo assim, sugere-se:

(1) «As qualidades que o pai enumerou sobre os filhos eram muitas.»

(2) «As qualidades que o pai enumerou quanto aos filhos eram muitas.»

(3) «As qualidades que o pai enumerou em relação aos filhos eram muitas.»

Note-se que o verbo enumerar, na oração apresentada, não constrói regência com a preposição em.

Pode também supor-se outra perspetiva, que requer outra preposição e outra pontuação:

1. «As qualidades, que o pai enumerou, dos filhos eram muitas.»

Esta frase é composta por duas orações: a oração principal (subordinante):

2. «As qualidades dos filhos eram muitas.» 

e a oração subordinada adjetiva relativa:

3. «que o pai enumerou.»

Percebe-se, olhando para 2., que a preposição de é aqui utilizada para assegurar a ligação entre o complemento do nome (filhos) ao nome que determina (qualidades), contudo, a oração subordinada adjetiva relativa é aqui uma oração  intercalada, ocorrendo no meio da oração principal.

A opção pelo uso da preposição em não pode estar correta, porque o substantivo qualidades rege a preposição de. A frase descreve as qualidades que pertencem aos filhos, não um local físico onde as qualidades estão localizadas. Por outro lado, a preposição de é a mais frequentemente utilizada para assegurar a ligação referida. Esta situação deve-se ao facto de a preposição de ser a mais gramaticalizada das preposições, «o que lhe permite ocorrer em construções que expressam um leque variadíssimo de valores semânticos, recuperáveis a partir do sentido geral da expressão e/ou com ...

Pergunta:

Gostaria de saber como se pronuncia, no Brasil, a palavra estela (monumento funerário), visto que em Portugal há – creio – somente uma pronúncia.

Dizemos [estéla] ou [estêla]?

Pergunto, pois, o nome próprio feminino Estela, pronunciamo-lo [é], mas a palavra estrela, semelhante, é [ê].

Resposta:

De acordo com o Portal da Língua Portuguesa, há duas pronúncias possíveis (de acordo com a norma-padrão) para estela, cada uma delas característica de regiões diferentes:

1. Rio de Janeiro: [iʃtˈɛlɐ]

2. São Paulo: [istˈɛlə]

Em ambas o e, na segunda sílaba, é aberto, como no nome próprio Estela. A variação reside na primeira e na última sílaba. 

Mas, como é claro, há variação da língua no território onde esta é falada, ainda para mais num território tão vasto como o do Brasil, e, por isso, é possível depararmo-nos com a pronúncia de estela com fechado, sugerindo "estêla".

Em Portugal, estela também se pronúncia com aberto. 

Morfologia, etimologia e semântica de <i>sondagem</i>
A propósito das eleições legislativas em Portugal

A propósito das sondagens pré-eleitorais em Portugal que têm ocupado uma posição central nas discussões públicas antes das eleições legislativas de 10 de março p.f. a consultora Sara Mourato dá conta da origem e do significado do substantivo feminino sondagem

Pergunta:

Qual a origem da expressão «meter-se numa alhada»?

Muito obrigado!

Resposta:

De acordo com José Pedro Machado no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (pág. 198), alhada surge no século XVI associada à expressão «meter-se numa alhada»: «Meu pecado me meteo nesta alhada», presente na Comédia Eufrosina de Jorge Ferreira de Vasconcelos (IV, 4, pág. 212). 

Esta expressão tem uso em contexto informal, e significa «situação difícil ou complicada». É, por isso, sinónimo de complicação, embrulhada, trapalhada (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). 

Pergunta:

Blusão é aumentativo de blusa?

Resposta:

Blusão não é aumentativo de blusa. Acontece que há muitos aumentativos terminados em -ão (caso de solteirãocadeirão, por exemplo), mas há outras palavras que terminam com o ditongo nasal -ão sem conterem a ideia de aumentativo. No caso de blusa, então, o aumentativo atestado nos dicionários, como é caso da Infopédia, é blusona. Ao substantivo blusa associa-se o sufixo -ona, que, entre outros, forma o aumentativo.

Blusão, por sua vez, corresponde a «blusa larga e comprida que se usa geralmente por fora da saia ou das calças; peça de vestuário que cobre o tronco, geralmente com mangas, usada sobre a roupa como agasalho; ampla e curta, ajusta-se à cintura ou às ancas» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). O aumentativo deste substantivo é, de acordo com o dicionário Infopédiablusãozão.

Note-se que é possível, também, obtermos o aumentativo analiticamente, i.e., juntando-lhe um adjetivo que indique aumento: «grande blusa» ou «grande blusão».