Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se é correcto usar o adjectivo faminto seguido da preposição «de» quando o usamos num sentido figurado.Exemplo:

«As crianças, a morrerem de fome, famintas das ideias que já havia aqui e ali, gritaram: "Independência!"»

Uma vez que faminto pode significar, em sentido figurado, «muito desejoso» ou «ávido», não sei qual a regra admitida, se a preposição é de ou por ou se não é admitida preposição.

Muito obrigado.

 

[N. E. – O consulente escreve correcto e adjetivo, mantendo a antiga ortografia. As formas da norma em vigor são correto e adjetivo.]

Resposta:

O adjetivo faminto, no sentido de «muito desejoso, ávido», constrói preferencialmente regência com a preposição de, como no exemplo apresentado na questão: «As crianças, a morrerem de fome, famintas das ideias que já havia aqui e ali, gritaram: "Independência!"». Acham-se abonações deste uso em registos dicionarísticos:

(1) «Faminto de honras, de dinheiro.» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, s.v. faminto)

(2) «Instalado na residência nova, onde a lei era gozar, como ordenava Epicuro, Izidro, como um faminto de prazeres, lançou-se desabridamente na troça.» (C. Neto, Treva, 5, citado por Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, São Paulo, Globo, 1995)

Contudo, em escassíssimos textos literários, ocorre eventualmente a regência com a preposição por, uso bastante marginal cuja recomendação não se justifica:

(3) «De facto, fora por muito tempo recadeiro de bordel, contava isso, num ar de segredo um tanto depravado e feliz, a Belinda, a cozinheira, ...

Pergunta:

Existe a palavra "chinfrideira"? Apenas conheço a palavra chinfrineira, mas apareceu-me aquela palavra num texto, e fiquei confuso, pois não a encontro no dicionário.

Obrigado.

Resposta:

Efetivamente só se encontra atestada a forma chinfrineira, que deriva do substantivo chinfrim, com o significado de «ruído estridente e continuado ao barulho de vozes altas; coisa ridícula, reles ou ordinária» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, pág. 799).

Não se encontrando o vocábulo "chinfrideira" atestado em dicionário, podemos supor, mesmo assim, que se trata de uma deturpação, surgida por analogia a substantivos como brincadeira, bebedeira, guinchadeira ou zoadeira.

Da família de chinfrim, contam-se outras palavras como chinfrinar, «fazer chinfrim», chinfrinação, «ato ou efeito de chinfrinar», chinfrinice, sinónimo de chinfrim, e chinfrinada, o mesmo que chinfrim ou «coisa ridícula, grotesca» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2011). Acrescente-se que, pelo menos, em Portugal, chinfrim ocorre geralmente como nome, na aceção acima mencionada; contudo, no Brasil, registam-se outros usos nominais, no sentido de «reunião alegre, buliçosa» e «arrasta-pé (um tipo de baile popular), bem como usos adjetivais, nas aceções de «ordinário, reles», «(que é) de mau gosto» e «muito barulhento» (idem).

Pergunta:

Gostaria saber se a expressão «pague-se do café» não devia ser, ates, «receba do café». Faz-me confusão, por [o segundo uso] me parecer mais lógico e correto.

Resposta:

A expressão «pague-se do café» está correta.

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa atesta a expressão «pagar-se de», em subentrada do verbete dedicado ao verbo pagar, como «receber determinada quantia correspondente ao preço de uma mercadoria, de um bem» (pág. 2713).

«Pague-se do café» é, portanto, expressão sinónima da mais usual «receba do/pelo café», e o uso de uma ou de outra expressão é indiferente, atendendo a que o significado é o mesmo. 

Pergunta:

Podiam, por favor, confirmar-me que se deve dizer «prossecução de objectivos», e não «persecução de objectivos» (como já tenho visto)?

Obrigada.  

[N.E. –  Pergunta formulada segundo a norma ortográfica de 1945; a resposta segue conforme o Acordo Ortográfico de 1990 em vigor.]

Resposta:

Ambas as expressões estão corretas, o que difere é o significado.

Quando nos referimos à «prossecução de objetivos» falamos do ato de continuar ou prosseguir os objetivos. Por outro lado, referir «persecução de objetivos» prende-se com o envidamento de esforços para a realização de determinados objetivos. Vejam-se os seguintes exemplos:

(1) «Para prossecução destes objetivos, a Câmara Municipal irá disponibilizar um espaço físico digno.»

(2) «Os adolescentes têm papel crucial para a persecução dos objetivos traçados pelo certame.»

Em (1) percebemos que, para a Câmara Municipal levar avante os seus objetivos, irá disponibilizar um espaço físico digno. Já em (2), declara-se que os jovens devem empenhar-se em conseguir alcançar os objetivos propostos para o certame. 

Timor-Leste em foco no XXXI Colóquio da Lusofonia
Com a presença de Ximenes Belo e Ramos Horta

Belmonte vai receber o XXXI Colóquio da Lusofonia entre os dias 12 e 15 de abril de 2019. O programa integra vários debates, paletras e conferências em torno da lusofonia e conta com diversos convidados, entre eles nomes de relevo, como os timorenses Prémio Nobel da Paz 1996, Ximenes Belos e Ramos Horta.