Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Durante muito tempo ouvi a expressão «Siga para Vigo!». Há uns anos comecei a ouvir «Siga para bingo!».

Sempre supus que a primeira teria uma raiz histórica, mas a verdade é que a segunda tem uma origem bem determinada.

Qual é a correcta?

Resposta:

Há razões para crer que a expressão «siga para Vigo» tenha surgido depois de «siga para bingo».

Não há registos dicionarísticos que atestem as expressões «siga para Vigo» e «siga para bingo». No entanto, é provável a segunda, que ocorre esporadicamente em textos disponíveis na Internet e significa «seguir rumo ao objetivo, seguir em frente», esteja relacionada com o jogo do bingo. 

No jogo em questão, os jogadores têm um cartão com 24 números aleatórios entre 1 e 75; e, à medida que cada número é sorteado, por um juiz que retira números de uma tombola, o jogador deve assinalá-lo no cartão. O objetivo do jogo é preencher o cartão todo, fazendo bingo. No entanto, o jogador pode receber um prémio inferior se completar linha (o cartão organiza-se em 5 colunas e 5 linhas). Quando completa uma linha e ganha este primeiro prémio, há uma vontade acrescida de ganhar o prémio máximo, fazendo, para isso, bingo. Assim, quando se completa uma linha, segue-se para bingo. É numa alusão metafórica a este objetivo do jogo, de atingir a meta, ou atingir o objetivo proposto, que entendemos ter surgido a expressão «seguir para bingo». 

Sobre a expressão «seguir para Vigo», é possível que se trate de uma deturpação devida à semelhança fonética de Vigo com bingo, a qual sai reforçada pela tendência a trocar o v pelo b na metade norte de Portugal. Entre falantes dessa região, o nome da cidade galega soa "bigo". Do ponto de vista semântico, preserva-se a mesma imagem da necessidade de progressão, de avanço, que se associa a «seguir para bingo».

Pergunta:

O que é mais correcto: «Estou grata por este dia de sol», ou «Estou grata a este dia de sol»?

A questão é se o objecto da gratidão (este dia de sol) deve ser precedido de por ou de a. No mesmo sentido, quando se deve usar «grata por...» e «grata a...»?

Obrigada.

Resposta:

Ambas as construções apresentadas estão corretas – «estar grato a...» e «estar grato por...». No entanto, o uso diferenciado das preposições confere às frases significados diferentes.

Quando afirmamos a nossa gratidão dizendo «estou grato...», dirigimo-nos a alguém por causa de alguma coisa feita em nosso favor ou benefício. Assim, afirmando «estou grata por este dia de sol» significa que eu estou grata a alguém – no caso, não se explicita quem –, pela razão de proporcionado alguma coisa («dia de sol»).

Por outro lado, em «estou grata a este dia de sol», agradeço ao dia de sol alguma coisa feita a meu favor que não fica explícita. A estranheza desta segunda sequência pode estar no facto de o agradecimento ser dirigido a uma entidade não animada, marcada pela expressão nominal  «dia de sol». Acontece, porém, que, na frase, se atribuem propriedades humanas a «dia de sol», num processo de personificação que faz a expressão equivaler a uma pessoa a quem se agradece.

Pergunta:

Qual a diferença entre aluno e estudante?

Resposta:

Os dois termos podem ser sinónimos, no entanto há uma pequena distinção entre eles. Quando empregamos aluno, estamos a pressupor alguém que está enquadrado no ensino formal e que, por isso, recebe formação de um professor/formador/explicador, muitas vezes num estabelecimento de ensino. Por outro lado, estudante é um termo mais abrangente e não implica, a priori, que esteja inserido num estabelecimento de ensino. Um exemplo claro desta distinção é quando um professor refere «tenho 30 alunos», usando o substantivo alunos e nunca estudantes.

Atendendo que o consulente nos escreve da Irlanda, um país maioritariamente de expressão inglesa, convém acrescentar que, em inglês, student recobre a significação de estudante aluno, ou seja, estes termos são traduzidos para inglês pela mesma palavra (veja-se aqui e aqui). No entanto, existe ainda pupil (cognata do termo pupilo), termo que, em inglês, tem a mesma significação que aluno, mas cujo uso se restringe a alunos que não frequentam o ensino superior.

Pergunta:

Apesar das abonações citadas pela consultora Sara Mourato, em 27/2/2019, em que se omite o artigo definido, creio que ele deve ser obrigatório quando se nomeiam órgãos do corpo humano.

Dizemos, por exemplo: «o pâncreas produz insulina» (e não «pâncreas produz insulina»); «o coração batia forte» (e não «coração batia forte»); «o útero compõe o aparelho reprodutor feminino» (e não «útero compõe o aparelho reprodutor feminino»). Portanto também: «moléstia do pulmão», «ele sofre do coração», «tumor da próstata», «inflamação dos rins», sempre com o artigo.

Cordialmente.

Resposta:

Neste contexto, é legitimo o uso da expressão sem artigo definido, pelo menos depois da preposição de. Com efeito, do ponto de vista descritivo e prescritivo, não há nada que conteste tal uso com nomes, nem mesmo com nomes referentes a órgãos do corpo.

Note-se que em «cancro de mama»/«cancro da mama», assim como em tantas outras doenças oncológicas, a expressão constituída por de e o nome do órgão tem valor relacional, sendo substituível por um adjetivo ou por um termo semanticamente afim: «cancro de mama»/«cancro mamário», «cancro do fígado»/«cancro hepático». Fora do contexto da medicina, ocorrem também nomes sem artigo definido; por exemplo: em «dia de inverno», «de inverno» tem valor relacional, substituível pelo adjetivo invernoso – «dia invernoso»; ou mesmo «época de ouro», com praticamente a mesma significação de «época áurea».  

Em relação aos exemplos apresentados, como «o útero compõe o aparelho reprodutor feminino», em vez de «útero compõe o aparelho reprodutor feminino», o consulente afirma que não se pode omitir o artigo. No entanto Celso CunhaLindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 237) apresentam-nos casos de nomes compatíveis com a omissão de artigo definido, verificando-se um deles «quando queremos indicar a noção expressa pelo substantivo de um modo geral, isto é, na plena extensão do seu significado: "foi acusado do crime" (acusação precisa); "foi acusado de um crime" (acusação vaga); "foi acusado de ...

Pergunta:

Gostaria de saber se adjetivos como a palavra grande e gigante podem ser flexionados nas formas "grandão", "grandaço", etc.

Cotidianamente fazemos isso aqui no Brasil. Em outras palavras, a norma culta admite aumentativo e diminutivo para os adjetivos?

Obrigado desde já!

Resposta:

As formas aumentativas e diminutivas de um adjetivo, como os exemplos que apresenta, são corretas e aceites na norma culta, no entanto o seu uso restringe-se ao uso informal.

Embora tenham por vezes registo dicionarístico – ricalhaço (de rico), solteirona (de solteira) e de grande, grandalhão (de grande) –, estas formas, geralmente, não estão registadas em dicionário, porque a junção de um sufixo aumentativo a um radical é um processo de formação de palavras acessível aos falantes, que, por intuição, formam, por exemplo, bonitinho de bonito e de feio derivam feiinho e feião. É, portanto, legítimo construir grandão e grandaço.

Note-se que o aumentativo e o diminutivo são graus de substantivos. Contudo, há derivações feitas sobre adjetivos, como vimos anteriormente, e também sobre radicais verbais (chorão, de chorar; mandão, de mandar).