Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Consideremos a seguinte frase:

«O paciente não está com (em) condições físicas para participar da audiência designada para o dia 7 de janeiro de 2018, uma vez que sofreu o quarto acidente vascular cerebral, que o deixou com o lado direito do corpo paralisado afetando sua mobilidade.»

Minhas dúvidas são: o paciente «não está COM condições» ou «EM condições»? Existe vírgula após «acidente vascular cerebral»?

Resposta:

A forma mais corrente e fixada pelo uso, com o significado de «estar em bom estado de saúde, conservação ou funcionamento»1, é «estar em condições de», pelo que se esperaria «O paciente não está em condições físicas de/para participar [...]». No entanto, não podemos assumir como errada a expressão «estar com condições de/para», porque ela tem uso em casos como «o pavilhão está com condições para acolher as pessoas». Assim sendo, na frase apresentada, tanto a escolha de de como a de com são aceitáveis.

Quanto à escolha de para, também esta não está errada. Com efeito, em lugar de «estar em condições de», em que a preposição de constitui a regência de condições, também se pode empregar «estar em condições» («esta casa não está em condições»), sem regência. Nesse caso, a preposição para introduz uma oração adverbial final com a função de modificador do grupo verbal «não está em condições»: «não está em condições para participar na audiência etc.». 

Em relação à vírgula após «[...] acidente vascular cerebral [...]», esta é aconselhada, não só porque estamos perante um período extenso com muita informação, como também porque podemos encarar a oração subordinada adjetiva relativa como uma explicativa («[...], que o deixou com o lado direito do corpo paralisado afetando sua mobilidade»), que, na escrita é sempre precedida de vírgula. 

 

1 Cf. «Este peixe não está em condições» (= «em estado de ser utilizado»), abonação associada à entrad...

Pergunta:

A expressão "pelado" tem de estar entre aspas (ou itálico)?

Por exemplo:  «Em dia de sol, ventoso e frio, campo pelado mas bem tratado.»

A outra minha dúvida é se infraestruturas se escreve sem ou com hífen.

Exemplos: «Boas infraestruturas e uma equipa jovem e dinâmica», «foram realizadas de forma a criar as infraestruturas necessárias para que o clube continuasse a engrandecer a freguesia.»

Obrigado pela ajuda.

Resposta:

Quando nos referimos a um campo (de futebol) pelado, o  adjetivo pelado não tem de ter qualquer tratamento especial: aspas, plicas ou itálico. Quer dizer «campo sem relva», de terra batida. Daí o termo peladinha [pelada + inha], de uso popular no Brasil: «Jogo de futebol informal e amador».

Trata-se de um dos muitos significados atestados em qualquer dicionário: «Que ou aquele que não tem pêlo», «calvo», «que traz o cabelo cortado à escovinha», «careca», «finório», «campo de futebol sem relva»; e «nu», no  Brasil (in Dicionário Priberam).

Pelado é também o  particípio passado do verbo pelar: «tirar a pele a», «tirar a casca de um fruto ou de um legume»; e, em sentido figurado, «tirar os haveres a alguém, deixando-o sem nada.» (in Dicionário Online de Português). Na conjugação pronominal, pelar-se por = «gostar muito de»  Ex.: «Pelo-me por peixe fresco».

Em relação a infraestrutura, como já se esclareceu anteriormente aqui e aqui, com as novas regras estabelecidas na Base XVI do  

Pergunta:

O verbo indagar pode ser regido, quando em uma sentença, pelo pronome oblíquo direto, como no exemplo: «Indaguei-o sobre sua participação no debate»?

Ou obrigatoriamente se deve reger pelo indireto, como em: «Indaguei-lhe [...]»?

Desde já, muito obrigado.

Resposta:

O verbo indagar pode ser classificado como um verbo transitivo diretotransitivo direto e indireto ou intransitivo. Em contrapartida, não se classifica como sendo um verbo transitivo indireto, ou seja, não seleciona somente um sujeito e um complemento indireto ou oblíquo. 

Veja-se os seguintes exemplos:

I) «Indaguei o homem sobre a sua participação no debate»;

II) «Ele indagou do homem os motivos da sua participação no debate»;

III) «O homem indagou»

Em I estamos perante um verbo que seleciona complemento direto – o homem  (transitivo direto); em II estamos perante a seleção de dois complementos (direto e indireto)  «do homem» (indireto) e «os motivos da sua participação no debate» (direto); em III, por fim, estamos perante um verbo intransitivo que, significando «fazer perguntas; informar-se», não necessita de complementos.  

Pergunta:

Se eu estou na frente da casa de alguém, eu digo: «estou na porta de sua casa» ou «estou à porta de sua casa»?

Obrigado, esse portal de dúvidas tem-me sido especial.

Resposta:

A opção mais correta será «estou à porta de sua casa», uma vez que subentendemos que alguém se encontra à frente da porta de casa de outra pessoa.

«Estar em» subentende que nos encontramos dentro dum determinado espaço («estou na sala de aula») que a porta não oferece, por ser um objeto de superfície plana, que não comporta em si nada. No entanto, em Português do Brasil parece muito comum ouvir-se a expressão «estou na porta de sua casa» com o mesmo sentido de «estar à porta», o que nos leva a considerá-la acertada. De algum modo à semelhança deste uso, também ocorre a expressão «vou no cinema» em detrimento de «vou ao cinema», concluindo-se assim que a preposição em pode também remeter-nos para a proximidade de um espaço. 

A respeito do caso em questão, encontramos a expressão «estar na porta» atestada em diversos autores, nomeadamente José Lins do Rego, em Fogo Morto («Via o pé de pitombeira crescer na vista, e ele não estava na porta como era seu costume» in Corpus do Português), ou em Artur Azevedo, em Uma Véspera de Reis («Depressa! Sinhô velho já deve estar na porta...», ibidem).

Pergunta:

Tomemos a frase: «As rosas abismam o presente com a imagem do paraíso.»

O verbo abismar pode ser utilizado desta maneira (com o sentido de «assombrar, maravilhar»)?

Obrigado.

Resposta:

O verbo abismar, entre os sentidos conhecidos – «lançar/cair em abismo, submergir, maravilhar-se» (Dicionário da Porto Editora, em linha) –, pode ter sentido figurado de «causar espanto a; arruinar» (ibidem) ou ainda «assombrar» (Dicionário Priberam). Assim, podemos entender a frase «as rosas abismam o presente com a imagem do paraíso» como «as rosas causam espanto ao presente com a imagem do paraíso», ou ainda, «as rosa arruínam/assombram o presente com a imagem do paraíso».