Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Triângulo amoroso de três homens» está correto ? Sendo um triângulo já pressupõe três elementos.

É redundante? É um pleonasmo ? Deve ser aceite como rodapé de um telejornal ?

Obrigada.

Resposta:

Redundância é o uso excessivo de palavras, com repetição de ideias ou palavras com o mesmo sentido, e, por isso mesmo, o pleonasmo, embora nem sempre configure um erro (ver Textos Relacionados), é uma forma de redundância. Assim, no exemplo apresentado, estamos perante uma destas situações, em que a noção de «três» é comum às expressões «triângulo amorosos» e «três homens», numa repetição evitável. Respondendo, portanto, à questão colocada e tendo em conta o estilo informativo rigoroso que compete a uma notícia, torna-se dispensável o uso de três na sequência em causa, pelo que seria suficiente e percetível formulá-la como «um triângulo amoroso entre homens». 

Cf. 10 pleonasmos comuns que deve evitar

Pergunta:

Numa frase é aceitável a expressão disjuntiva correlativa «seja... ou...», em vez da que normalmente encontramos, «seja... seja...»?

Agradeço o esclarecimento.

Resposta:

Apesar de nas gramáticas só encontrarmos atestada a expressão disjuntiva correlativa1 «seja... seja...» (veja-se, a título de exemplo, a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, 37.ª edição, pág. 321), a verdade é que encontramos a alternativa «seja... ou...» atestada em autores da língua portuguesa que contribuem para a construção do modelo literário e da norma. Veja-se:

(1) « [...]  contando que eles sejam dispensados segundo as fórmulas consagradas, que importa que o sacerdote seja santo ou pecador?» (Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro, 1875)

(2) «Ninguém lhe diz que seja amanhã ou depois» (Machado de Assis, Quincas Borba, 1891)

(3) «Enfim já quero que se pagasse uma renda jeitosinha, que ele cada um também precisa, seja pobre ou rico.» (Aquilino Ribeiro, Terras do Demo, 1919).

Podemos encontrar ainda exemplos que demonstram que se pode proceder à elipse da forma verbal

A falta que faz o ponto abreviativo
Ou é um número ordinal ou o símbolo do grau

3 graus, 6 graus, 9 graus, 12 graus não é o mesmo que 3.º ano, 6.º ano, 9.º ano, 12.º ano.

 

 

 

 

 

 

 

Pergunta:

Na frase «estás a ver, seu estúpido?», não deveria o pronome possessivo seu (2.ª pessoa) concordar com o verbo estar na 2.ª pessoa, ficando «Estás a ver, meu estúpido»? E, se não houver alteração do pronome, a frase não deveria ficar «Está a ver, seu estúpido»? Qual das frases é a correcta ou ambas o são?

Grato pela resposta.

Resposta:

Os exemplos corretos são «estás a ver, meu estúpido?!» e «está a ver, seu estúpido?!». A dúvida do consulente passa pela eventual necessidade de o verbo – no caso, estar – e o determinante possessivo incluído no vocativo («meu/seu estúpido») concordarem com o mesmo sujeito, subentendido ou não.

Em «estás a ver, meu estúpido», o verbo e o possessivo não concordam da mesma maneira, pois «estás» remete para um interlocutor tratado por tu, enquanto «meu» remete para o enunciador. Este uso das formas meu e minha em vocativos é adequado e «traduz carinho ou reprovação Ó meu menino, onde é que está o pai? Habitua-te a fazer alguma coisa, meu palerma» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

No segundo dos exemplos transcritos, a pessoa visada pela reprovação é tratada por tu, mas é possível ocorrerem os mesmos possessivos associados a formas de tratamento desencadeadoras da concordância na 3.ª pessoa, mais como marca de afeição do que desconsideração; ou seja, aceita-se melhor uma interpelação como «onde é que vai, meu menino?», em que o vocativo «meu menino» pode ser dito em tom carinhoso ou sarcástico, ao passo que, intuitivamente, se afigura insólita a frase «habitue-se a fazer alguma coisa, meu palerma», ao juntar o tratamento de 3.ª pessoa com o vocativo de intenção agressiva (talvez porque o confronto é menos compatível com o tratamento que marca mais distância).

Com formas de tratamento associadas à flexão na 3.ª pessoa, como acontece com você ou outras, os possessivos seu e sua figuram «em apóstrofes [= vocativos] para...

<i>Vítima</i> não é só quem morre
Um uso nem sempre adequado

Num acidente, como o que aconteceu na ilha da Madeira com um autocarro com turistas alemães, entre  mortos e feridos, todos são vítimas. Um uso, porém, nem sempre acertadamente seguido nos registos  informativos, noutras circunstâncias.