Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num dos testes da edição de 2008 do Campeonato da Língua Portuguesa surgiram algumas dúvidas sobre a regência do verbo assegurar. A Comissão Técnico-Científica do CLP enviou nessa altura a todos os participantes um detalhado esclarecimento sobre a regência desse verbo que, em resumo, concluía o seguinte:

1) O verbo assegurar não pede preposição quando não se encontra conjugado como reflexo. Exemplo: «Asseguro que eles estiveram presentes.»

2) Quando verbo pronominal reflexo exigirá o regime de. Como exemplo, temos a frase: «Assegurei-me de que a porta não estava aberta.»

A frase que deu origem ao debate sobre este verbo aparecia num dos testes do CLP e era a seguinte: «Posso assegurar-vos de que todas as nossas especialidades terão zero calorias.» A Comissão Técnico-Científica e muitos dos participantes no CLP considerámos que a frase continha um erro, pois, baseando-nos no argumento 1) anterior, dever-se-ia escrever «Posso assegurar-vos que todas as nossas especialidades terão zero calorias».

No entanto, e apesar do debate, continuo com uma dúvida sobre este assunto. Já anteriormente a enviei à CTC, mas sem resposta, talvez porque depois de finalizado o CLP a Comissão logicamente já não se encontre em funções. Passo a explicar, pois, a minha dúvida.

Está claro que o verbo assegurar-se sempre irá acompanhado da preposição de, já que «eu asseguro-me de alguma coisa/disto/daquilo».

Também é lógico não ser necessária a proposição em casos como «eu asseguro à Maria que tudo está bem», ou, de maneira mais simples, «eu asseguro à Maria isto/aquilo», não fazendo qualquer sentido dizer «eu asseguro à Maria disto».

O verbo assegurar admite duas estruturas sintácticas:

1. Complemento directo + complemento preposicional — Assegurar alguém de alguma coisa

(1) Ex.: «Asseguro-a de que tudo está bem.»

2. Complemento indirecto + complemento directo — Assegurar a alguém alguma coisa

(2) Ex.: «Asseguro-lhe que tudo está bem.»

Há pronomes pessoais que apresentam formas homónimas, pelo que só o contexto poderá esclarecer se se trata de um complemento directo ou indirecto. É o caso de -me, -te, -nos e -vos.

Por esta razão, nenhuma das frases do Campeonato de Língua Portuguesa pode ser considerada incorrecta, precisamente porque podemos interpretar o pronome -vos como um complemento directo (seguido de preposição) ou indirecto (não seguido de preposição):

(3) «Posso assegurar-vos (CD) de que todas as nossas especialidades terão zero calorias.»

(4) «Posso assegurar-vos (CI) que todas as nossas especialidades terão zero calorias.»

Argumento a favor desta possibilidade é o facto de podermos substituir cada uma das frases pelo respectivo pronome pessoal, na 3.ª pessoa:

(5) «Posso assegurá-lo de que todas as nossas especialidades terão zero calorias.»

(6) «Posso assegurar-lhe que todas as nossas especialidades terão zero calorias.»

Em conclusão, ambas as frases são correctas, d...

Pergunta:

Estou estudando sobre a questão da auxiliaridade verbal e percebo o quanto o assunto é controverso. Preciso de ajuda para pensar melhor sobre tal questão. Pesquisei em trabalhos de dissertação e tese, além de Maria Helena Neves, Bechara e Maria Helena Mira Mateus (lingüista lusitana) e cada vez me sinto mais confusa.

Gostaria de saber qual é o conceito de auxiliaridade verbal. Alguns dizem que o verbo auxiliar perdeu seu sentido de verbo pleno (gramaticalização), outros dizem que não totalmente, outros esclarecem que depende do contexto. Até o uso da palavra gramaticalização é controverso!

Existe uma classificação dos verbos auxiliares? Por que Bechara chama os verbos causativos e sensitivos de auxiliares? Em que situação eles se comportam como tal?

Obrigada!

Resposta:

Não há, de facto, uniformidade de critérios linguísticos que determinem as fronteiras da auxiliaridade. A lista dos verbos considerados auxiliares difere de gramática para gramática.

Não obstante, começo pela definição de verbo auxiliar.

Um verbo auxiliar é um verbo que perdeu o seu sentido pleno e reforçou as suas marcas gramaticais. Quer isto dizer que ele não possui significado lexical, transportando apenas as desinências verbais.

Esse significado lexical é-nos dado, então, pelo verbo principal, que forma, com o verbo auxiliar, um complexo verbal.

Há vários tipos de verbos auxiliares:

1. Verbos auxiliares dos tempos compostos. São os verbos ter e haver seguidos do verbo principal no particípio passado:

(1) «O João tem lido jornais todos os dias.»

2. Verbos auxiliares modais. São os verbos poder, dever e ter de, seguidos do verbo principal no modo infinitivo:

(2) «O João pode sair mais cedo.»

3. Verbos auxiliares aspectuais. São os verbos estar a, andar a, ficar a, começar a, continuar a, acabar de, deixar de, que formam com o verbo principal um complexo verbal com valor aspectual. Em muitos casos, o português europeu usa o modo infinitivo, ao passo que o português Brasil usa o gerúndio:

(3) «O João

Pergunta:

Gostaria de saber se «a moral» tem plural, por exemplo, «as morais», ou se soa melhor «vários tipos de moral», «diversos tipos de moral», etc.

Obrigada.

Resposta:

O substantivo moral, quer seja masculino ou feminino, tem como plural a forma morais.

No entanto, trata-se de um nome não contável, pelo que se aconselha o uso de expressões partitivas, como as que refere: «vários tipos de moral», etc.

Pergunta:

Na minha região dá-se o nome de "pascoeira" a uma erva-daninha que invade os campos. Já consultei vários dicionários e a mesma não consta. Agradeço informe se a palavra existe.

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, regista pascoeira numa acepção equivalente à definição dada na pergunta: «espécie de grama parasita.»

Pergunta:

Fizeram-me uma pergunta quando eu estava explicando um conteúdo de formação de palavras e acabei ficando sem saber responder. A aluna perguntou-me sobre o prefixo sub dizendo que o significado deste é «sob, inferior, embaixo». Disse a ela que a afirmação estava correta, então ela veio com a seguinte indagação: «Já que sub quer dizer embaixo, porque a palavra substantivo inicia com sub? Tem alguma relação com o significado do prefixo?»

Achei ótimo ela ter questionado já que tem 9 anos e está no 4.º ano, no entanto fiquei preocupada em não ter uma resposta plausível.

Por favor me ajude nessa. Obrigada.

Resposta:

Os prefixos e os sufixos são unidades linguísticas portadoras de um significado. Ou seja, ainda que não sejam palavras autónomas, é possível atribuir-lhes um valor semântico. Vejamos alguns exemplos:

sufixos

«carrinho» -inho = pequenez

«beleza» -eza = qualidade de

«aterragem» -agem = acção de

prefixos

«infeliz»  in- = negação

«desarrumar» des- = acção contrária

«subaquático» sub- = debaixo de

Há, no entanto, elementos que parecem prefixos e sufixos, mas, na verdade, não são.

Por exemplo, na palavra carinho, «inho» não é um sufixo, porque não exibe qualquer significado. O mesmo acontece com imagem, em que «agem» não é um elemento derivacional. Trata-se de palavras simples, que não se decompõem.

Quanto à palavra substantivo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa refere que a mesma provém do latim substantīvus,a,um, «substancial», de substantìa,ae, «substância, ser que existe» <sub «sob» e stāre «estar».

Todavia, do ponto de vista sincrónico, esta palavra funciona como uma unidade indecomponível, pelo que podemos dizer que sub- perdeu o seu significado original: «sob, inferior, debaixo de».

Disponha sempre!